quarta-feira, 26 de junho de 2013

Anotações sobre o Conceito de História de Horkheimer

Max Horkheimer
A obra filosófica de Jürgen Habermas ofuscou a teoria crítica: os ensaios que escreveu sobre a filosofia da história de Horkheimer não lhe fazem justiça. Convém denunciar a conservadorismo de Habermas que, sob o impulso do funcionalismo, renuncia à ideia de História para se entregar a uma teoria do agir comunicacional incapaz de definir um novo projecto político. Os textos tardios de Horkheimer são ocasionais e fragmentários. A sua leitura não é fácil, até porque Horkheimer ficou desesperado com a aporia subjacente à "dialéctica do esclarecimento". Porém, quando afirma que a dialéctica materialista é forçada a renunciar à ideia de reconciliação mas não à interrogação que a esperança incumprida das vítimas abre sobre a história, a razão e a acção humana, a aporia evapora-se no ar. Como já dediquei muitos textos ao pensamento de Horkheimer, não vou recapitular o seu pensamento tardio, o qual procura evitar a suposta aporia mediante a «recuperação» da ideia de Outro: ânsia de justiça plena. O que interessa questionar aqui é a tese fundamental da sua filosofia da História: A lógica imanente da História conduz inevitavelmente ao mundo totalmente administrado. Só as catástrofes podem interromper este curso da História: a praxis débil sugerida por Horkheimer não pode alterar o rumo da história; apenas pode tentar conservar alguns elementos culturais, tais como a teologia ou a liberdade. A sociedade administrada é semelhante à sociedade dos insectos sociais. Numa tal sociedade, o homem «desenvolve-se» como espécie animal, abdicando da sua "humanidade". A sociedade administrada de Horkheimer corresponde grosso modo ao meu conceito de sociedade metabolicamente reduzida: ambas apontam para a supressão da «vontade livre» e a liquidação do sujeito. A base desta filosofia pessimista da História reside na finitude radical do homem e do pensamento e na «relatividade» do mundo. A minha filosofia apocalíptica da História está muito próxima desta concepção de Horkheimer: ambas rejeitam a ideia messiânica; ambas apontam para a política como "tarefa infinita"; enfim, ambas são a-comunistas. Com efeito, a rejeição da ideia messiânica é uma recusa consciente de "colonizar o futuro". Porém, a relatividade do mundo não nos permite rejeitar - como faz Horkheimer - a revolução em nome de uma praxis débil. A situação histórica mudou desde o tempo de Horkheimer: Hoje a revolução está na ordem do dia, tal como esteve nos anos 30 do século passado. O que distingue a minha filosofia da História da filosofia de Horkheimer? Não é o pessimismo que, no meu caso se inspira na angústia maia e asteca perante a caducidade do existente, mas a não necessidade de recorrer a Deus para descobrir um sentido para a História, embora este recurso teológico não perturbe a minha mente. A colisão futura de um asteróide com a Terra - por exemplo - pode pôr termo à aventura histórica do homem. Ora, sabendo que uma catástrofe natural - ou não - pode liquidar o homem, não preciso do Outro para incentivar a revolta das vítimas contra os carrascos: o homem não tem nada a perder e mais vale uma vida breve mas heróica do que uma vida longa de miséria. No entanto, a minha filosofia - assim como a de Horkheimer - não abdica da ideia de pecado original: o mal radical. Com estas breves notas mostrei que nem eu nem Horkheimer rompemos com Marx: ambos lutamos para que a Filosofia não se torne pensamento pueril numa sociedade totalmente administrada e racionalizada. A Filosofia só pode ser reconstruída deixando de lado as obras dos filósofos que a dominaram nas últimas décadas: funcionalismo e estruturalismo andam de mãos dadas na rejeição da História. 

J Francisco Saraiva de Sousa 

domingo, 23 de junho de 2013

Porto: Noite de São João

São João: Hoje à noite no PORTO
    Uma proposta para a reforma do São João do PORTO: Como a festa está cada vez mais mundial, acho que as entidades competentes do Porto e de Gaia deviam organizar um festival/concurso mundial de Fogo de Artifício, envolvendo equipas coreanas, japonesas, portuguesas e americanas. A paisagem é única para este tipo de concursos. Houve um ano em que a Ribeira do Porto foi bombardeada com fogo de artifício a partir do Rio Douro e do lado da Sé: o impacto desse fogo cruzado é fabuloso. Na reorganização do S. João, graças ao computador, poderíamos explorar diversos pólos, de modo a pôr a cidade sob fogo.
   Abaixo os coiros da SIC e da TVI que ontem transmitiram merda, em vez da festa do São João! Ontem, além dos turistas habituais, o Porto foi visitado por italianos, franceses, marroquinos e cabo-verdianos, entre outras nacionalidades. O empreendimento turístico e empresarial proposto visa a globalização da Festa de São João do Porto.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Popper versus Kuhn: Sobre Epistemologia

Thomas S. Kuhn
Em Portugal, nunca houve uma tradição sólida de pensamento filosófico e científico, se exceptuarmos as tentativas heróicas da Escola do Porto. As últimas décadas não supriram esta lacuna estrutural: os cursos de Filosofia não merecem crédito. E a actividade editorial não fornece os elementos necessários para a investigação filosófica, pelo menos em língua portuguesa. Porém, o que me preocupa não é a imbecilidade dos portugueses, mas a regressão cognitiva do Ocidente. A teoria do conhecimento científico é uma peça nuclear da Filosofia que tem vindo a ser desconstruída por filósofos cujos nomes não merecem figurar na História da Filosofia. O relativismo histórico é responsável pelo declínio do epistemologia, é certo, mas a regressão cognitiva é um fenómeno mais vasto que põe em causa as reformas do ensino, as novas pedagogias e o próprio modelo de sociedade. Porém, à luz da Filosofia da História e da Filosofia das Civilizações, este fenómeno não é novo: ele ocorreu pela primeira vez na Grécia Antiga, sobretudo quando as cidades-Estado foram substituídas pelos reinos helenísticos. A «vitória» do conhecimento científico e filosófico sobre a ignorância nunca está garantida: o positivismo com a sua noção exclusiva de progresso científico é, desde logo, falso. A História mostra-nos que as civilizações colapsam subitamente sem que a sua herança esteja protegida do esquecimento. A própria herança intelectual da civilização ocidental já esteve ameaçada diversas vezes, uma das quais corresponde à ascensão do cristianismo. Hoje vivemos uma situação idêntica: a crise da Filosofia - que ameaça destruir os fundamentos das ciências e da própria civilização ocidental - é favorável ao advento de novos movimentos religiosos.

O último grande debate epistemológico ocorreu em 1965, opondo as filosofias da ciência de Karl R. Popper e de Thomas S. Kuhn, com a participação de Walkins, Toulmin, Pearce Williams, Masterman, Lakatos e Feyerabend. Não pretendo analisar aqui o confronto filosófico entre Popper e Kuhn; o meu objectivo é mais modesto: a reconstrução da epistemologia enquanto teoria do conhecimento científico deve ser levada a cabo a partir desta controvérsia filosófica.

Em construção.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Lénine: Da Política à Filosofia

V.I. Lénine
«A Física contemporânea está em trabalho de parto. Dá à luz o materialismo dialéctico. Parto doloroso. O ser vivo e viável é inevitavelmente acompanhado por alguns produtos mortos, restos destinados a ser evacuados com as impurezas. Todo o idealismo físico, toda a filosofia empiriocriticista, com o empírio-simbolismo, o empiriomonismo, etc., estão entre estes restos». (Lénine, 1909)

Lénine, o líder da grande Revolução de Outubro de 1917, é, para mim, o maior estadista do século XX. Sem o conhecimento da sua obra política e científica, nos domínios da economia política e da sociologia, não podemos compreender as suas intervenções filosóficas. Lénine dedicou duas grandes obras à Filosofia: Materialismo e Empiriocriticismo (1909) e Cadernos sobre a Dialéctica. A primeira destas duas obras não foi bem acolhida pela comunidade filosófica, bastando nomear Jean-Paul Sartre, Paul Ricoeur e Maurice Merleau-Ponty para evidenciar a recusa do materialismo. Sob o impacto desta crítica, nunca cheguei a ler Materialismo e Empiriocriticismo durante o meu período de formação científica e filosófica, embora conhecesse o conteúdo da obra através dos estudos que Althusser, Lukács e Lefebvre lhe dedicaram. Só muito recentemente comecei a ler a obra filosófica de Lénine. A obra compreende, para além dos dois prefácios e da Introdução, seis capítulos, seguidos de uma conclusão. Os três primeiros capítulos - A Teoria do Conhecimento do Empiriocriticismo e do Materialismo Dialéctico I, II e III - esboçam a célebre teoria leninista do conhecimento por oposição à epistemologia elaborada por Mach e Avenaritus. Convém lembrar que a filosofia empiriocriticista de Mach influenciou fortemente o pensamento de Einstein e de Heisenberg, pelo menos no início das suas carreiras científicas. A teoria leninista do conhecimento foi rejeitada pelos filósofos do chamado mundo livre e permaneceu incompreendida pelos filósofos do marxismo soviético. Os dois capítulos seguintes - Os Filósofos Idealistas, Irmãos de Armas e Sucessores do Empiriocriticismo (IV) e A Revolução Moderna nas Ciências da Natureza e o Idealismo Filosófico (V) - ocupam um lugar de destaque na economia da obra, sobretudo o capítulo V que trata da revolução científica que levou à emergência da mecânica quântica. Lénine rejeita a tese de Poincaré segundo a qual a crise da física clássica era a Crise da Ciência. Para Lénine, a física não estava em crise, mas em pleno processo de crescimento. Quando intervém no domínio da ciência, Lenine toma desde logo partido por uma das tendências fundamentais da filosofia: o materialismo que ele liga organicamente à prática científica. Deste modo, muito antes de estalar a polémica em torno da interpretação da mecânica quântica, Lénine já tinha tomado partido: optou pela interpretação materialista, afirmando a existência do seu objecto de estudo (tese de existência) e a objectividade do seu conhecimento (tese de objectividade). (A Filosofia Materialista intervém no domínio das ciências, traçando linhas de demarcação entre o científico que instaura e o ideológico que as ameaça. Embora critique o materialismo metafísico, Lénine desloca o foco da intervenção filosófica: em vez da clássica distinção entre metafísica e ciência, temos agora a distinção entre ideologia e ciência, a única que é adequada à teoria do materialismo histórico.) O último capítulo - O Empiriocriticismo e o Materialismo Histórico (VI) - é fundamental para compreender o que faltava a Engels e que Lénine acrescentou para esboçar uma filosofia marxista: a ligação da Filosofia à Política que Lénine define neste conceito brutal: a tomada de partido em filosofia. Porém, para compreender este conceito, convém lembrar que nos três primeiros capítulos Lénine distinguiu a Filosofia da Ciência, sobretudo quando analisa a categoria de matéria: a categoria filosófica de matéria é distinta do conceito científico de matéria, cujo conteúdo muda consoante o desenvolvimento do conhecimento científico. O carácter inalterável da categoria filosófica de matéria permite a Lénine «reduzir» a Filosofia a um campo de batalha, onde se confrontam «eternamente» duas tendências: o idealismo e o materialismo. Destas tendências o materialismo é a única que está profundamente ligada à prática científica. Ora, se a filosofia se vincula à ciência pela tese materialista da objectividade, a sua vinculação à política exige a intervenção de um conceito fundamental elaborado por Marx: o conceito de ideologia que Engels negligenciou. É certo que Lénine não clarifica este conceito, mas sempre que critica a negação filosófica do domínio da filosofia pela política usa-o para definir a nova prática filosófica do marxismo, em defesa do crescimento científico constantemente ameaçado pela ideologia. Curiosamente, a teoria crítica da Escola de Frankfurt nunca destacou o contributo de Lénine para a elaboração de uma filosofia marxista, embora a crítica ideológica que protagoniza já esteja em acção na obra teórica de Lénine. (Há aqui uma diferença fundamental: o optimismo científico e tecnológico de Lénine contrasta fortemente com o pessimismo dos críticos da racionalidade instrumental, Horkheimer e Adorno, um dos quais - Marcuse - procurou pensar uma nova ciência liberta da dominação. O carácter instrumental da ciência merece ser pensado, até porque a filosofia não pode ser pensada fora da sua vinculação com as ciências. Ao colocar o Ocidente no centro da reflexão filosófica, procuro evitar a aporia, com a ajuda de um conceito de história dialecticamente aberto sem garantia transcendental.) O conceito de dominação ocupa um lugar central no materialismo histórico, a ciência da História fundada por Marx. Estou convencido de que é possível resgatar Lénine de modo a fazer uma leitura leninista do marxismo soviético. Colocar Lénine contra os desvios grosseiros do marxismo soviético permite reformular um novo projecto político para o marxismo, um projecto ligado à noção grega de Cidade-Estado, cuja orientação democrática não era alheia ao socialismo. (A globalização helenística foi no passado fatal para a Cidade-Estado, tal como hoje a globalização é fatal para o Ocidente: os políticos ocidentais esqueceram a Guerra do Ópio.) Porém, um tal projecto político é profundamente ocidental: o marxismo é a única filosofia capaz de iluminar um Novo Ocidente, aquele que esteve sempre presente desde a sua origem grega. Os jovens que protestam nas ruas de diversas cidades mundiais devem ler Lénine, cuja crítica do espontaneísmo encontrou eco nas suas teses teóricas anti-empirista, anti-positivista e anti-pragmatista: «sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário» (Lénine).

J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 18 de junho de 2013

Brasil em protesto

Manifestação em São Paulo, Brasil
Enfim, desde a chamada Primavera Árabe até à revolta na Turquia, o mundo revolta-se contra os governantes. Porém, sem agenda política radical, não há verdadeiramente protesto político. Reivindicar direitos sem pôr em causa o status quo não é solução: Estará o mundo preparado para a mudança qualitativa? Sem conhecimento profundo não há alternativa política. O protesto torna-se impotente!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Detesto Portugal

PORTO City
Estou decepcionado com a recente "História do Porto": a sua idade heróica foi omitida. O espírito portuense só pode ser compreendido à luz do conceito de Cidade-Estado. A feudalização é algo estranho ao espírito portuense: o Porto é uma escola de autonomia.