sábado, 5 de maio de 2012

Questões Mortais

Porto: Casa da Música
Lendo e relendo algumas obras de Bertrand Russell, fui reconduzido aos velhos problemas da Filosofia. Algumas soluções são tomadas como evidentes quando, na verdade, elas não chegam a ser verdadeiras soluções. Para já constato que a análise lógica dos problemas filosóficos cria mais dificuldades à sua resolução do que favorece a sua clarificação: a obra de Russell vacila constantemente e muda frequentemente de posição, como o demonstra a sua posição vacilante em relação aos universais. Russell não conseguiu produzir uma filosofia coerente tal como a que foi produzida por Whitehead. Não vejo nisso um fracasso: as suas vacilações são sintomáticas e, nalguns dos seus conceitos, descobre-se um outro horizonte que não chega a tematizar. É precisamente naquilo que Russell mostra sem tematizar que reside o início da solução para os problemas que coloca. E isto que não foi tematizado pela filosofia analítica revela-se no falhanço total da obra de Thomas Nagel. Porém, mesmo com o conhecimento desse horizonte eclipsado pela filosofia analítica, devo reconhecer que a Filosofia realizou uma abordagem errada da mente. (As neurociências herdaram esses erros!) O confronto das diversas filosofias mostra os erros cometidos pela Filosofia ao longo da sua história. Em vez de capitular diante do império ideológico da ciência empírica, a Filosofia deve retomar a crítica da ciência. Esta crítica não deve tomar a forma de crítica do positivismo, porque, como crítica do positivismo, não deixa de ser crítica filosófica de uma filosofia: os alvos da crítica devem ser os empreendimentos teóricos - as teorias, os paradigmas, os métodos, etc. - das próprias ciências. A filosofia matemática de Russell fornece instrumentos preciosos à crítica da ciência, conforme demonstrei em dois seminários, um dedicado às relações entre matemática e estatística e outro ao teorema de Bayes. Nunca ninguém escreveu uma obra sobre a filosofia contemporânea à luz da sua crítica da ciência, talvez com excepção da Dialéctica do Esclarecimento de Horkheimer e Adorno: John Dewey retomou o pragmatismo de William James, invertendo a sua doutrina que surgiu inicialmente como um protesto contra a sobrevalorização da técnica e das ciências da natureza. De protesto a doutrina de James passou a ser usada como apologia da concepção científico-materialista do mundo. O meu conceito de filosofia é demasiado "imperial" para fazer dela uma auxiliar da ciência: a crítica da ciência deve ser levada a cabo não tanto para ajudar a ciência a superar as suas dificuldades, mas sobretudo para nos ajudar a revelar o mundo. Estou convencido que, depois disso, já não poderemos ser materialistas ou realistas ingénuos: a memória está aí para mostrar o fracasso do programa reducionista e materialista.  Mas, para alcançar uma nova visão do mundo, pelo menos uma visão mais lúcida do mundo, é necessário levar a cabo a crítica radical da ciência, até porque o idealismo não é uma filosofia absurda. O caminho será solitário porque, como tenho demostrado diversas vezes, vivemos num mundo despovoado de seres inteligentes e cultos: a mediocridade generalizada tomou conta de todas as esferas da sociedade e da cultura. A Filosofia confronta-se com a escassez não só de filósofos dignos deste nome como também de leitores inteligentes. A barbárie ameaça a cultura, confinando-a ao espaço das bibliotecas e fazendo dela cultura morta: o mundo pode terminar a qualquer momento sem que se tenha invertido a direcção da barbárie em marcha. O animal-homem - o animal humano metabolicamente reduzido - tornou-se um problema histórico e político. 

J Francisco Saraiva de Sousa

1 comentário:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Portugal começa a entrar no abismo da desavença: sem dinheiro os portugueses gritam uns com os outros e as famílias tornam-se lugares de conflito e de agressão.

Há uma solução: Gestores e políticos portugueses a viver com o salário mínimo! Eles não são melhores do que os outros; pelo contrário, são responsáveis pela miséria vigente.