terça-feira, 8 de junho de 2010

Prós e Contras: Crescer e Vencer a Crise

Prós e Contras debateu hoje (7 de Junho) a inovação e o empreen-dedorismo, tendo como convidados Rui Moreira, Mira Amaral, António Souza-Cardoso e António Gomes Mota, para além de um conjunto de empresários da alta tecnologia. O princípio organizativo subjacente a este debate articulou universidades, tecnologia e ideias diferentes e originais. Eu não simpatizo com o termo empreendedorismo e, se o empreendedor for um empresário que corre riscos, no sentido clássico do termo, então confio mais nos empresários natos do que nos empreendedores formados nas escolas ou nas universidades. É certo que o empreendedorismo - a iniciativa privada - é um dos caminhos a seguir para superar a crise e colocar Portugal na via do crescimento económico e do desenvolvimento cultural, mas nem todas as iniciativas dos empreendedores merecem a mesma atenção: algumas das ideias apresentadas pelos tecno-empresários neste debate-exposição lançam-nos no abismo, porque empobrecem e liquidam a humanidade dos homens. A articulação da inovação e da gestão é quase sempre uma aliança terrível: o modelo económico que a suporta deve ser combatido se quisermos dar continuidade à aventura humana neste planeta azul. Mas, antes de avançar neste terreno da sociedade dos empreendedores, pretendo introduzir novo material conceptual.
Há dois paradoxos - dois pensamentos de ladrão de colarinho-branco - que quero denunciar: o primeiro é negar a realidade da sociedade de classes, ao mesmo tempo que se fala da emergência das classes médias e das suas camadas sociais avaliadas em função dos rendimentos (1), e o segundo é ver na China o modelo de desenvolvimento a seguir por Portugal e pela Europa (2). Aqueles que preconizam estes pensamentos são os ladrões de colarinho-branco que, sendo formados nas escolas de economia e de gestão, desejam garantir a sua rápida ascensão social, apoderando-se para o efeito dos órgãos de decisão política, económica e financeira e auto-atribuindo-se salários e prémios ultramilionários: são homens sem qualidades e sem sensibilidade que reduzem a sociedade e a cultura à gestão, entregando-as à especulação do capitalismo financeiro. Na sua perspectiva, os empresários de risco e os trabalhadores não são necessários: eles precisam unicamente de consumidores de serviços e de bens que são importados da China. Os ladrões europeus de colarinho-branco identificam-se com o modelo chinês, não na sua capacidade de produção, mas no seu carácter autoritário. O capitalismo financeiro e o fascismo implicam-se reciprocamente, e, na actual conjuntura política, é a camada auto-elevada das classes médias que promove o fascismo: a sua noção de Estado é «asiática» e, como é evidente, o seu modelo de desenvolvimento é regressivo, porque implica um recuo social e civilizacional. O PS e o PSD movem-se neste terreno da apologia das classes médias: eles governaram Portugal nos últimos 30 anos e o resultado da sua acção governativa é a situação de corrupção e de miséria em que estamos mortalmente mergulhados.
A denúncia destes dois pensamentos de ladrão de colarinho-branco coaduna-se com a perspectiva de Rui Moreira. Com excepção das empresas de sucesso, os tecno-empreendedores, pelo menos um ou outro deles, procuram vender ao Estado as suas "descobertas": a ideologia da carreira garantida (Gomes Mota) casa-se aqui com a ideologia do empreendedorismo garantido pelo Estado. As duas ideologias comportamentais são as faces de uma só e mesma moeda: o medo de correr riscos, a aversão ao risco. Em Portugal, o risco não é premiado e, como disse Rui Moreira, sem risco não pode haver empreendedorismo. Rui Moreira articulou duas fobias nacionais para explicar a miséria nacional: o medo do risco e a fobia das elites ou fobia do mérito. O sistema estabelecido persegue a diferença: os portugueses colonizados pelo sistema nacional promovido pela burocracia estatal odeiam todos aqueles que se destacam pela diferença e pela originalidade, acusando-os de ser exibicionistas. O incremento da inveja que daí resulta penaliza o mérito e as elites criadoras: todos querem chegar à meta ao mesmo tempo e o Estado que promove esta falsa igualdade - a ignorância universal activa - interfere demasiado na rota dos navegadores, predefinindo alvos errados e monoculturas condenadas ao fracasso. Rui Moreira deu como exemplo o fracasso da fabricação da marca "Made in Portugal": a nossa economia especializou-se mais no fabrico de componentes do que de produtos acabados, mas no sector dos produtos acabados nunca conseguiu criar uma marca internacionalmente reconhecida. Os mercados externos ou até mesmo o mercado interno não acreditam nos portugueses e nos produtos que fabricam: a criação da marca "made in Portugal" estava desde logo condenada ao fracasso. As pessoas que já estiveram no estrangeiro sabem muito bem o que significa aí a palavra "Portugal": a desconfiança total e a falta de credibilidade. Dizer que se é português é uma vergonha: os portugueses têm vergonha de ser portugueses e são os primeiros a não confiar em Portugal. Quem não confia em si próprio não merece a confiança dos outros: a marca "made in Portugal" é desacreditada pelos próprios portugueses. Porém, os portugueses do Norte, em especial os portuenses, têm boas razões para desconfiar da marca nacional: Lisboa, a região mais endividada externamente, apropria-se daquilo que não lhe pertence - as empresas, os bancos e as pessoas do Norte que são responsáveis por 40% das exportações nacionais, em nome de uma falsa identidade nacional. Aliás, Fátima Campos Ferreira começou e terminou o debate a brincar com a tecno-mesa de uma empresa de Braga que lhe permitiu destacar os jogadores de futebol da selecção nacional pertencentes a clubes de Lisboa. (Precisamos de uma TV regional para promover os nossos e as nossas coisas.)
Conforme acentuou António Souza-Cardoso, apesar do centralismo exacerbado da capital asteca, o Norte continua a estar na linha da frente. Centralismo lisboeta sem desenvolvimento regional harmonioso: eis a raiz da nossa agonia nacional que Rui Moreira tematizou em termos de burocracia estatal. Como quebrar este feitiço do Estado centralizado? A resposta só pode ser a regionalização ousada que, no que se refere ao Norte e ao Porto, deve evitar o êxodo das empresas, dos bancos e das pessoas para Lisboa, fazendo regressar para a nossa terra aquilo que nos pertence. Porém, deslumbrado com um modelo tosco de globalização, Souza-Cardoso preconizou a ideia peregrina de vender a nova geração lá fora: a terceira vaga de emigração portuguesa constituída por utensílios humanos multi-usos. A utopia marxista do Homem Total converte-se aqui no seu contrário: o anti-homem lançado num mercado de multi-empregos. Souza-Cardoso especula como se a natureza humana tivesse sofrido uma terrível mutação, porque, no seu modelo de globalização, a totalidade do homem já não é reduzida ao conjunto dos bens e dos serviços que consome, mas sim aos multi-usos a que se presta. A visão economicista do mundo é absolutamente néscia e lança-nos na boca da morte: a actual crise financeira e económica é a crise da própria "ciência económica" e da sua pretensão universal de controlar a totalidade da sociedade, da cultura, do homem e da natureza. De certo modo, a crítica da economia do hamburger e do empreendedorismo da necessidade exposta por Mira Amaral pode ser utilizada para destruir esta redução económica de Souza-Cardoso. Como podemos exportar criaturas metabolicamente reduzidas? Como podemos exportar aquilo que não temos e que precisamos? O fracasso da marca "made in Portugal" compromete o sonho de Souza-Cardoso: ninguém com juízo quer comprar portugueses habituados a demasiado conforto e a vida fácil. Investigação e inovação são coisas diferentes, como mostrou Mira Amaral: Portugal investiu alguma coisa na investigação, mas falta-lhe a inovação que Souza-Cardoso já quer exportar ou vender lá fora. A elevada taxa de mortalidade das empresas que apostam na inovação não surpreende Mira Amaral e Rui Moreira: a selecção faz o seu trabalho quando elimina os projectos não-competitivos. O desfile de empresários inovadores e a exibição dos seus produtos quebraram a unidade do debate: os portugueses contornam e suspendem as clivagens e as divergências, sem as quais não pode haver desenvolvimento. O que fica deste debate é a ideia de que, em Portugal, não há dinheiro para implementar as ideias originais (Rui Moreira), nem no campo da investigação, nem no campo da inovação: a mentira, as fogueiras das vaidades (a diplomacia económica promovida pelas viagens do PR e do PM) e as ilusões fazem de Portugal uma sociedade bloqueada. O imaginário radical de que precisamos para reinventar a nossa sociedade não pode ser preconizado e promovido pelas mesmas "moscas" que geraram a nossa desgraça nacional.
J Francisco Saraiva de Sousa

3 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

HOJE ACORDEI IRRITADO: nem os bolos de chocolate me acalmam, mas vou resistir ao tabaco. Apetece-me dar porrada em alguém... :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, até simpatizo com os participantes, mas para ser verdadeiro seria obrigado a entrar em colisão com alguns deles.

Não é fácil elaborar um projecto nacional: os economistas sem cultura deviam perguntar às pessoas se elas querem embarcar nessa viagem.

Investigação e inovação são meros instrumentos que não permitem elaborar o tal projecto de futuro. Além disso, se os outros mergulham no abismo, nós não somos forçados a imitá-los. Criatividade é construir o seu próprio modelo!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não achei graça aos brinquedos ou até mesmo à mesa.

Há algo mais profundo por detrás destes conceitos que foi omitido: a organização social da ciência está a matar a própria ciência. O meu faro diz-me que um ou outro inovador carece de maturidade e de experiência. Estes 2 ou 3 casos revelam a realidade total que Sousa-Cardoso quer exportar.

É mais outra terrível ilusão pensar que a nova geração está bem preparada: isso é MENTIRA e é fácil mostrar a regressão total.

Já não vamos lá com mentiras e tretas de tugas malucos!