terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Prós e Contras: Desistir ou Resistir?

... ou Como Resistir?
Resistir às crises, a nossa crise estrutural e a crise internacional, e/ou à "metafísica de Lisboa"? Sim, o debate Prós e Contras de hoje (26 de Janeiro de 2009) revelou a solução para as crises portuguesas: a "metafísica de Lisboa" e a colaboração consensual de todos os portugueses em torno da noção quase milenar da capital como "cidade criadora de riqueza" (sic). A ideia foi lançada pelo representante do turismo sulista, José Carlos Pinto Coelho, e, logo a seguir, reforçada pela "magia do governo" na voz do Ministro da Economia, Manuel Pinho. Pinto Coelho fez o diagnóstico da crise: "gastamos mais do que produzimos". Precisamos investir mais na qualificação do trabalho hoteleiro e na ideia de Lisboa como "cidade criadora de riqueza". A "metafísica da salvação das empresas" (Manuel Pinho) significa, nesta orientação absurda, investir mais dinheiro no mesmo erro estrutural: investir na capital que nunca conseguiu resolver a crise estrutural de Portugal. Esta foi a parte mais negra e obscura do debate, mas talvez aquela que melhor revela o erro estrutural de Portugal: o capital-ismo da capital saqueadora do dinheiro público. Manuel Pinho lançou a palavra de ordem: Este é um "tempo de união e não de politiquices partidárias". Certo, todos devemos colaborar activamente na procura de uma solução nacional. Porém, se o tempo de união significar consenso passivo em torno da velha e caduca "metafísica de Lisboa", a defesa do desenvolvimento nacional desigual e assimétrico, então a palavra de ordem converte-se, como insinuou António Nogueira Leite (economista), em obediência a um "rumo difuso" que não abre uma via de solução verdadeiramente nacional. A "metafísica de Lisboa" não é um projecto nacional: o seu optimismo e a sua magia discursiva sem eficácia causal já não enganam os portugueses. Se vivemos na "época dos medos", como afirmou Armindo Monteiro, Lisboa constitui efectivamente o maior medo dos portugueses, pela simples razão de estar irremediavelmente ligada à má governação e ao atraso estrutural de Portugal. E, somente nessa condição de aglutinadora das assimetrias e desigualdades nacionais, pode merecer alguma atenção turística internacional.
O representante de uma associação empresarial regional disse duas verdades: os indicadores macro-económicos não evoluíram nos últimos quinze anos (só?) e os portugueses deixaram de confiar na "classe política". À "falta de credibilidade da classe política", agravada pelos casos de corrupção, Manuel Carvalho Silva (CGTP-IN) acrescentou a gestão empresarial danosa e o oportunismo empresarial. E Armindo Monteiro (Presidente da ANJE) protestou, por sua vez, contra os sindicatos e os sindicalistas. O Ministro da Economia referiu-se à actual crise económica como "a maior crise que se vive numa geração". O Banco de Portugal já tinha anunciado que o "país está em recessão". O governo foi forçado a rever o orçamento e os valores previstos (défice de 3,9, PIB negativo de -0,8, e taxa de desemprego de 8,5) foram substancialmente revistos em alta pela União Europeia: a magia optimista do governo já não pode ocultar a triste realidade dos resultados obtidos. A magia dos números voltou-se contra o optimismo e o discurso da confiança cega. A situação da Islândia, da Irlanda, do Reino Unido e de Espanha não reconforta os portugueses: o desemprego é uma terrível realidade. Apesar de ter reconhecido o fracasso das previsões económicas, sobretudo em relação ao futuro, Luís Cabral (economista) procurou, via satélite (USA), minimizar a gravidade estrutural da actual crise do capitalismo, classificando-a como uma "crise conjuntural", portanto, como uma crise menos grave do que a crise de 1929, e reafirmando a sua confiança no triunfo da economia de mercado, sem se aperceber que esta só pode reemergir graças à ajuda do Estado e dos dinheiros públicos. Economistas deste «calibre» esquecem que a teoria económica, em especial a sua doutrina da concorrência perfeita, não é uma "ciência newtoniana", mas um conhecimento instrumental que procura desesperadamente adaptar a realidade ao modelo teórico, de resto um modelo claramente classista que promove os interesses da propriedade privada em detrimento dos interesses humanos e ecológicos. O mundo da ciência económica é um mundo virtual, ou melhor, artificial: o seu objectivo não é revelar a verdade da esfera económica, mas moldar o mundo inteiro à imagem de uma economia da exploração do homem pelo homem e da devastação da natureza. Todos os convidados estiveram de acordo quanto a uma medida de fundo defendida por Manuel Pinho: estabilizar o sistema financeiro. Porém, surgiram algumas resistências quanto ao método a seguir: os mais neoliberais, como Luís Cabral e, em muito menor grau, Nogueira Leite, defenderam a ideia de que os governos devem "garantir confiança na Banca com Seguro e não com nacionalizações". Os apoios às PME's, as linhas de crédito que visam salvar as empresas da falência e travar o aumento galopante do desemprego, o relançamento da economia, a política fiscal (o abaixamento da carga fiscal e o aumento da despesa pública), o apoio aos desempregados, a construção de obras públicas ou mesmo a nacionalização dos Bancos, foram outras medidas propostas para fazer face à crise. Com a diferença que estabeleceu entre o dinheiro e o crédito, Armindo Monteiro criticou a noção estabelecida de que o "Banco deve disponibilizar tudo". Reside talvez aqui uma abordagem das causas da crise: um modelo de sociedade de consumo irracional que, como observou Carvalho Silva, destruiu o "aparelho produtivo" que Pinto Coelho deseja substituir pela ideia turística de Lisboa "criadora de riqueza". Nenhuma destas medidas é radicalmente nova: todas elas e muitas outras mais ousadas foram postas em prática pelo Presidente Roosevelt.
Roosevelt elaborou o New Deal (1933-39) para fazer face à crise económica de 1929: um conjunto de medidas que visavam socorrer a pobreza e a miséria, restabelecer o equilíbrio entre a agricultura e a indústria e exercer controle sobre as práticas bancárias mediante todos os meios ao seu alcance. Roosevelt gastou imenso dinheiro (16 mil milhões de dólares) para prestar assistência directa aos desempregados, auxiliar as empresas comerciais em falência, realizar um vasto conjunto de trabalhos públicos (estradas, estações de correio, etc.), conceder empréstimos às empresas de construção de habitação e assim criar numerosos novos empregos, conservar a natureza e proteger os recursos naturais do saque capitalista, combater o esbanjamento e o desperdício, oferecer emprego, na sua especialidade, a numerosos intelectuais que viviam na miséria, garantir os depósitos bancários, aumentar a tabela de imposto sobre o rendimento dos ricos, e chegou mesmo a fechar os bancos (férias bancárias). A agricultura, o trabalho e a segurança social foram alvo do New Deal. O Supremo Tribunal tentou bloquear muitas destas medidas e Roosevelt impôs uma idade de reforma aos juízes, de modo a libertar os USA desses idosos obstinados. Barack Obama procurou, no seu discurso presidencial de tomada de posse, retomar o exemplo das grandes presidências democráticas. De certo modo, o tempo presente é tão tempestuoso como o tempo de Roosevelt ou de Carter: o discurso de Obama não foi explícito quanto às medidas a tomar, embora tenha condenado a corrupção das "novas dinastias económicas" (Roosevelt). Roosevelt defendia uma Nova Democracia. O New Deal foi uma nova política que procurou remédio para as misérias nacionais mediante uma reestruturação da vida económica dos USA. A Nova Democracia de Roosevelt não era uma posição de Centro, mas uma posição de Esquerda: implicava uma nova organização social. Porém, nestes últimos 30 anos de predomínio neoliberal, tudo foi esquecido em nome da velha ideologia de mercado. O resultado deste longo esquecimento do papel regulador do Estado é a actual crise financeira e económica e a própria corrupção que se alastra no seio das sociedades ocidentais. O capitalismo tem uma história de crises periódicas, umas mais profundas do que outras. A abordagem das causas conduz directamente ao capitalismo financeiro global e ao seu fundamentalismo de mercado.
O mundo moderno, tal como o conhecemos nos nossos dias indigentes, é marxista às avessas. Esta tese pode ser aparentemente paradoxal, mas apreende uma insuficiência filosófica interna do marxismo. François Châtelet situou a revolução que Marx operou no pensamento ao nível da concepção do homem e das tarefas do pensamento: Marx opõe ao homem abstracto da filosofia a concepção do homem na sua realidade empírica, como ser prático e histórico. Isto significa que, para Marx, a humanidade só pode realizar a sua exigência fundamental, a da satisfação empírica universal, quando se reconhece, no seu ser-fundamental, como materialidade activa lutando contra um mundo material, cuja inteligibilidade é doravante proporcionada pelas ciências experimentais. No seu ser-fundamental, a humanidade é reduzida à sua mera existência empírica e a sua tarefa é lutar pela satisfação das suas necessidades e pela abolição definitiva da violência. Este "materialismo histórico" que dispensa a "prova filosófica" e a própria dialéctica, dissolvendo a filosofia nas ciências experimentais e impondo o pensamento económico único, foi e está realizado: a actual sociedade metabolicamente reduzida é a sua realidade efectiva. As preocupações fundamentais dos poderes públicos são o crescimento económico na sua forma absurda de desenvolvimento sustentável e a modernização constante. Na sua materialidade, a tarefa da humanidade é económica: uma luta constante contra a natureza que visa unicamente a satisfação de necessidades humanas, até mesmo das necessidades mais artificiais. A sociedade e o mundo da vida foram completamente colonizadas pela economia de mercado.
Porém, a humanidade satisfeita não implica desalienação, no sentido marxista, até porque a finitude do homem (Heidegger), a angústia face à morte, não foi alvo de uma resposta por parte do marxismo. A satisfação empírica universal como "realização/superação da filosofia" é falsa, na medida em que implica uma regressão do homem à sua condição meramente animal: o homem satisfeito é um animal económico, mas não é um homo philosophicus realizado. Toda a vitória do materialismo economicista e fatalista é sempre uma derrota do pensamento. O jovem-Hegel já sabia isso quando falou da "tragédia no ético", a sua crítica da cultura do capitalismo, já ilustrada por Ferguson, reforçada por Goethe, Fourier e Balzac e retomada por Gorki: o desenvolvimento das forças produtivas humanas aniquila o homem, dispensando o pensamento, domestica-o e rouba-lhe a sua humanidade. A valorização cultural da actividade económica rebaixa o homem à sua condição natural de animal e aniquila a cultura, a sua "segunda natureza". O capitalismo é visceralmente inimigo da cultura e da própria natureza interna e externa. As crises do capitalismo revelam o seu "conflito eterno e trágico" contra a natureza, a cultura superior e a criação cultural: o progresso técnico e económico implica regressão cognitiva e atrofia dos órgãos mentais. A economia de mercado e a sua ciência económica não são autosuficientes e suficientes, isto é, não resolvem a crise, pela simples razão de serem parte integrante do problema e não da sua solução.
J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sou capaz de clarificar uma ideia sobre a estatuto epistemológico da ciência económica. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O comentário está concluído: deixo os desenvolvimentos teóricos para a série de posts "Crise Financeira e Teoria do Conhecimento". Uma obra que devia ser lida e traduzida é "Teorias da Mais-Valia" de Karl Marx: uma crítica inteligente da ideologia económica burguesa.