terça-feira, 28 de outubro de 2008

Prós e Contras: O Valor da Casa

«O paradigma predominante, a teoria do equilíbrio e o seu derivado político, o fundamentalismo de mercado, não só se revelou incapaz de explicar o actual estado de coisas, como pode ser considerado responsável por nos lançar na confusão em que estamos. Precisamos urgentemente um novo paradigma».
«Uma indústria financeira à solta e perturbada está claramente a destruir a economia. Precisa de ser dominada. A criação de crédito, pela sua natureza, é um processo reflexivo. Precisa de ser regulada de forma a evitar excessos». (George Soros)
Prós e Contras (27 de Outubro de 2008) debateu o valor da casa, em função dos efeitos da actual crise financeira. Hoje o programa foi dividido em duas partes distintas, embora comunicantes: uma primeira parte dedicada ao funcionamento do Fundo Imobiliário, e uma segunda parte que se debruçou sobre o mercado imobiliário. Os participantes não foram os mesmos em ambas as partes.
Funcionamento do Fundo Imobiliário. Francisco Louçã destacou-se nesta primeira parte por ter neutralizado e desmentido completamente o Secretário de Estado do Tesouro, Carlos Costa Pina. A lei do Fundo de Investimento Imobiliário está, segundo o líder do Bloco de Esquerda, repleta de "coisas estranhas", talvez porque em Portugal haja uma "bolsa ou bolha especulativa" instalada, de resto evidenciada pela cumplicidade existente entre o secretário de Estado e os dois representantes da Banca, Paulo Sousa (Caixa Geral de Depósitos) e Jorge Góis (BCP). Em termos simples, esta lei implica a "perda ou alienação de propriedade": os imóveis são adquiridos por fundos e as famílias começam a pagar juros sujeitos às flutuações de certos coeficientes legais que, em Portugal, são "juros agiotas", "excessivos", e, na condição de inquilinos, deixam de amortizar, porque a casa deixa de lhes pertencer. No fundo, como acentuaram Francisco Louça e Rosário Águas (deputada), esta lei beneficia evidentemente os bancos, porque "limpa o crédito mal parado". Trata-se de uma lei que não beneficia as pessoas e a prova disso reside no interesse manifestado desde logo pelos bancos na criação do Fundo Imobiliário. Aliás, Paulo Sousa aproveitou a ocasião para "fazer publicidade ilícita e enganosa na RTP", porque, segundo Louça, os seus cálculos pressupunham o conhecimento dos regulamentos que ainda não foram aprovados na Assembleia da República. Carlos Costa Pina socorreu-o imediatamente da crítica que lhe foi dirigida por Louçã, em vez de assumir uma atitude digna de "secretário de Estado". Além disso, depois da crise do subprime, ainda teve a ousadia de garantir a confiança nos "fundos" que irão possibilitar a aquisição dos imóveis. Não apresentou qualquer outra alternativa, nomeadamente a defesa do mercado de arrendamento ou o recurso ao "período de carência": limitou-se a defender os interesses da "bolsa especulativa" que estrangula Portugal. Gostei da atitude dos dois deputados presentes que mostraram maior sensibilidade para o lado das pessoas comuns e não para o lado dos luso-interesses instalados. Se a lei tem um carácter classista e fraudulento, deve ser desmistificada pela oposição e/ou clarificada pelo Governo que, neste aspecto, mais parecia um governo que tudo faz para "socializar os prejuízos privados", ao mesmo tempo que lhes abre novos mercados de lucro fácil obtido à custa da miséria e da privação das pessoas. O fortalecimento e o enriquecimento fraudulento do sector bancário não produz riqueza nacional: as mais-valias dos bancos enriquecem apenas os seus accionistas e gestores com ordenados verdadeiramente chorudos, além de constituírem uma tentação para os chamados políticos-gestores. O capitalismo financeiro é uma força destrutiva usada por uma minoria para explorar a maioria da população. Portugal está completamente dominado pela exploração desumana do homem pelo homem.
Mercado da Habitação. Em Portugal, a partir de determinado momento após o 25 de Abril, os bancos começaram a incentivar a aquisição de casa própria e a facilitar o crédito, algum crédito hipotecário de alto risco: o resultado foi que actualmente "ninguém sonha em ser inquilino" (José Eduardo Macedo), mas uma percentagem significativa dos novos proprietários estão com dificuldade em pagar as prestações mensais aos bancos, devido ao aumento contínuo dos juros e à quantidade de impostos pagos para ter casa, além da manutenção. O mercado do crédito à habitação ajudou, como observou Margarida Pereira (geógrafa), os bancos a enriquecer à custa de muitos sacrifícios exigidos às pessoas e às famílias que foram enganadas pela "cantiga do bandido bancário". Durante todo este período anterior à actual crise financeira, os bancos facilitaram o crédito, levando as pessoas a viver muito acima das suas possibilidades reais para satisfazer a fantasia de ser proprietárias da sua própria casa. Ora, a crise financeira vem refrear esse crédito: chegou-se ao "fim do dinheiro barato" (Fátima Campos Ferreira), embora em Portugal o dinheiro tenha sido sempre muitíssimo caro, a começar pelos juros agiotas e excessivos que excedem em muito a quantia paga para amortização do empréstimo. A lei do Fundo de Investimento Imobiliário vai tentar proteger os bancos dos efeitos da crise financeira, socializando os seus prejuízos e penalizando os mais inocentes, as pessoas que foram enganadas, manipuladas e exploradas: o Estado intervém apenas para socializar os prejuízos privados, de modo a garantir a estabilidade do sistema vigente, assente numa forma execrável de exploração desumana da maioria dos portugueses por uma minoria de privilegiados.
Esta segunda parte do programa foi muito mais importante e rica em ideias do que a primeira parte. Com excepção de destaque de Reis Campos (Federação da Construção), secundado por Guilherme Vilaverde (Mediação Imobiliária), todos os outros participantes avançaram com ideias pertinentes e válidas relativas à construção de um verdadeiro mercado imobiliário plural e mais acessível em termos de preços. Manuel Salgado (Vereador da CMLisboa) defendeu que o valor das casas devia baixar de modo significativo para que os grandes centros urbanos voltassem a ser repovoados ou habitados. Guilherme Vilaverde (Habitação Social) defendeu o sector cooperativo e a habitação de low cost, de resto uma experiência bem sucedida em Matosinhos, devido à conjugação de diversos esforços e de uma "política de solos" que não permite que haja especulação com os preços dos terrenos, como sucede em Lisboa e no Porto, porque a construção não "tem finalidade lucrativa". Além disso, o sector cooperativo está a ajudar a reabilitação urbana, garantindo casa para os jovens no centro das grandes cidades, como sucede já no Porto. Maria João Freitas (socióloga), ela própria uma inquilina, reforçou a ideia nefasta das pessoas terem sido "empurradas" para a aquisição de casa, quando na verdade se deveria ter apostado mais no mercado do arrendamento, com preços regulados pelo Estado, para evitar o "roubo descarado" tão frequente em Portugal. Apenas Reis Campos distanciou-se destas ideias novas e positivas, afirmando que existem mais casas à venda, que o valor das casas não vai descer, que as pessoas sonham em ser proprietárias, que os preços das casas novas, de qualidade acrescida, não tem aumentado significativamente nos últimos anos, enfim que os preços das casas em segunda mão é que estão acima do seu valor real. Estas últimas estão sem valor de mercado, porque só estão à venda "na cabeça dos seus proprietários". E José Eduardo Macedo garantiu que as casas estão "imunes à perda de valor". Como recordou maliciosamente Fátima Campos Ferreira, os agentes da construção ou da mediação imobiliária comportam-se como os bancários: dizem que tudo está bem para evitar o agravamento dos prejuízos acumulados ou, pelo menos, encobrir as dificuldades que atravessam. Eles negaram a pluralidade de ofertas alternativas e de novas opções: as pessoas podem e devem optar, como acentuou Maria João Freitas. Todas as ideias avançadas e outras não ventiladas podem ajudar a salvar e valorizar o património habitacional que, por diversas razões, está muito degradado em Portugal.
J Francisco Saraiva de Sousa

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