quinta-feira, 6 de março de 2008

Antropologia Simbólica, Comunicação e Educação

A antropologia simbólica é relativamente recente e dos seus praticantes destacaremos Clifford Geertz, David Schneider e Victor Turner, que, apesar das divergências teóricas que os separam, defendem a concepção da cultura como sistema de símbolos e de significados partilhados. Detecta-se aqui uma influência linguística, mas sobretudo a influência da hermenêutica filosófica, tal como praticada por Hans-Georg Gadamer, e da filosofia das formas simbólicas, tal como exposta por Susanne K. Langer, portanto, uma forte influência da filosofia contemporânea. Esta influência parece indicar que os chamados cientistas sociais, depois de terem conquistado a sua independência da Filosofia, não conseguiram criar paradigmas teóricos autónomos, e, por isso, tendem a anexar as teorias filosóficas, como se estas fossem um território das «ciências» que dizem praticar. Esta é a maior ilusão das ciências sociais que as impede de reconhecer que, afinal, são ciências sem um objecto específico.

DAVID SCHNEIDER. Schneider define a cultura como um sistema de símbolos e dos seus significados: «Cada cultura concreta (...) é formada por um sistema de unidades ou partes que são definidas de um certo modo e que se diferenciam entre si de acordo com determinados critérios». Estas «unidades» ou «constructos» definem, ao mesmo tempo, o mundo e o sistema de coisas que existem no seu seio. Na cultura americana, unidades tais como "tio", "cidade", "deprimido", "homem", a ideia de progresso, a esperança e a arte, são constructos culturais, dotados de uma realidade própria que não depende da sua existência objectiva. Assim, por exemplo, ao nível deste tipo de análise cultural, os espíritos dos mortos e os próprios mortos são constructos culturais independentes do comportamento real e observável.
No seu estudo do sistema norte-americano de parentesco, Schneider interessa-se pelas definições das unidades e das regras do parentesco norte-americano, sem levar em consideração o comportamento real e observável dos parentes entre si. Admite que a preocupação pelas relações existentes entre constructos culturais e comportamentos é perfeitamente legítima, mas, dado que os comportamentos não fazem parte da cultura tal como a concebe, o antropólogo pode ignorá-los.
O objectivo de Schneider é estudar a cultura como um sistema coerente de símbolos e significados, para poder estabelecer: 1) o núcleo simbólico de cada sistema cultural estudado, se este existir; 2) como se relacionam sistematicamente entre si os sentidos das diversas partes, se tal relação existir; e 3) como se diferenciam e articulam entre si, como unidades culturais, as diversas partes, se tal for o caso. Ao isolar a cultura dos comportamentos reais e tratá-la como um todo específico, Schneider limita-se a determinar a cultura que estuda a partir do que os informantes dizem sobre as suas próprias vidas.
Harris e Lewis argumentam que, ao aceitarmos a máxima de que «não importa o que as pessoas fazem, mas sim o que dizem», teríamos de relegar os resultados da antropologia para o reino da incoerência. No seu estudo sobre a cultura do chabolismo (slums) norte-americano, Oscar Lewis destaca os perigos de semelhante abordagem: «Muitos dirão que o matrimónio legal ou eclesiástico, ou ambos ao mesmo tempo, são a forma ideal de matrimónio; mas poucos são os que se casam». Embora a abordagem de Schneider não seja adequada para estudar a cultura no seu conjunto, dado o seu idealismo cognitivo extremo, a sua preocupação básica pelas unidades e pelas regras culturais ajuda, pelo menos, a elucidar a componente cognitiva da cultura.
CLIFFORD GEERTZ. Geertz procurou abolir a dicotomia mente-corpo. A sua preocupação incide fundamentalmente sobre a acção simbólica e o uso que os homens fazem dos sistemas simbólicos. Considera a cultura como «um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções», que guiam e cimentam aqueles aspectos da humanidade que se expressam na cultura. Esta humanidade encontra-se não só nas propriedades essenciais ou na estrutura de cada cultura em concreto, mas também nos diversos tipos de indivíduos que existem no interior de cada uma delas, o que implica estudar em detalhe as vidas sociais desses indivíduos.
Contudo,
Geertz começou a tratar a cultura dos povos que estudava como «um conjunto de textos, que formam conjunto eles próprios» e que o antropólogo deve interpretar como se se tratassem de textos literários. Porém, estes textos incorporam actividades sociais quotidianas de pessoas que estão implicadas numa acção simbólica e não somente num sistema ideacional abstracto. Por exemplo, ao aplicar este tipo de abordagem à luta de galos balineses, «uma obsessão popular para consumir poder», Geertz interpreta-as como «expressão de algo que choca directamente com o modo de vida dos espectadores, e inclusivamente com o seu modo de ser». As lutas de galos reúnem coisas tais como o selvagismo animal, o narcisismo masculino, a concorrência de apostas e a rivalidade de status, ligando-as entre si mediante um conjunto de regras que expressam os sentimentos destrutivos subjacentes à aparência de tranquilidade com que os balineses têm logrado cobrir uma sociedade tão hierarquicamente estruturada como a sua. A cultura, neste caso, aparece dotada de um carácter instrumental no sentido mais amplo do termo, já que não só comunica determinados traços da sua própria cultura aos balineses, mas também serve para criar e manter esses traços.
VICTOR TURNER. Turner baseia o seu trabalho fundamentalmente na acção simbólica, a qual é considerada, juntamente com os sistemas simbólicos em geral, como instrumentos em sentido amplo, enquanto estão ligados a finalidades e interesses humanos. De modo complementar, mostra-se interessado pelo aspecto formal dos símbolos usados na acção simbólica. Do seu ponto de vista, este aspecto formal amplia a nossa compreensão da actividade cultural, por mais que os próprios actuantes sejam inconscientes disso, apesar de não constituir o único sentido das suas actividades, como pensam os estruturalistas e os etnocientistas. Grande parte dos seus trabalhos estão centrados no uso de símbolos durante os procedimentos rituais, sobretudo nos seus estudos sobre os ndembu da Zâmbia. Turner conclui que os símbolos usados e as suas relações «constituem não somente um conjunto de classificações cognitivas, para o ordenamento do universo ndembu, mas também, o que inclusivamente é mais importante, um conjunto de mecanismos artificiosos evocadores para fazer surgir, canalizar e domesticar emoções tão poderosas como podem ser o medo, o afecto e a dor». Estão, pois, carregados de finalidade e têm um «carácter conativo», isto é, servem para orientar a acção.
Turner começa por investigar o significado dos rituais por meio de perguntas dirigidas aos actores. Depois analisa esses símbolos para ver se pode estabelecer alguma relação formal entre os próprios símbolos e entre os símbolos e os seus referentes (o que estes representam). A seguir, procura descobrir relações estruturais entre os símbolos que compõem o conjunto estudado, ou mostrar que esses símbolos funcionam de maneira específica e limitada, seja para comunicar significados múltiplos, seja para unificar fenómenos dispares ou para condensar ideias múltiplas. Uma análise formal deste tipo aumenta a nossa compreensão do ritual, embora não constitua o único modo de descobrir o seu significado.
Turner defende uma abordagem interpretativa ou hermenêutica da cultura, centrando a sua atenção no estudo do uso concreto de símbolos em contextos concretos e por parte de indivíduos concretos. Este método de investigação é completamente distinto do dos estruturalistas e do seu interesse pelas estruturas universais ou inconscientes do intelecto humano e distinto também do interesse dos etnocientistas pelos princípios cognitivos básicos. Turner propõe uma abordagem empática do comportamento humano, colocando, em vez de um conjunto mecânico de procedimentos puramente formais, mediante os quais a cultura resulta objectivada e dissecada, a necessidade do investigador procurar captar de maneira imaginativa as actividades em questão. Com isso pretende proporcionar uma compreensão do que ocorre em determinadas situações específicas, mais do que uma formulação de relações universais e, portanto, abstractas, entre elementos culturais ou um conjunto de estruturas mentais generativas. O uso de conceitos analíticos não é completamente dispensado, mas estes convertem-se em simples meios auxiliares para levar a cabo uma tarefa central de interpretação.
A antropologia simbólica reflecte o estado de indigência das ciências sociais e a sua incapacidade para produzir novas teorias ou paradigmas teóricos, capazes de iluminar a realidade social. Esta indigência conceptual é particularmente evidente na sociologia que, após ter reclamado a sua autonomia em relação à Filosofia, se tornou excessivamente «opinativa» e delirante, procurando anexar territórios da filosofia. A situação da antropologia social era ligeiramente diferente, pelo menos enquanto podia fazer estudos de campo de povos arcaicos, mas com a descolonização os antropólogos foram forçados a regressar a casa e, sob a influência do pensamento pós-moderno, tornaram «críticos literários». Em vez de estudarem comportamentos reais, estudam textos e discursos, anexando a hermenêutica filosófica. No fundo, todos retomam as teorias filosóficas, como se estas constituissem o seu território, mas sem abdicar da pretensão de serem cientistas sociais.

Diante desta incapacidade das ciências sociais elaborarem novas teorias, sem saquear a filosofia, esta pode reclamar os seus territórios e mostrar que as ciências sociais mais não são do que ramos da própria pesquisa filosófica. Neste caso específico dos modelos simbólicos ou cognitivos, a filosofia está em condições de os repensar no âmbito de uma epistemologia comparativa, capaz de interpretar as concepções do mundo incorporadas nesses universos simbólicos ou cognitivos, sem cair na tentação do relativismo, ao mesmo tempo que pode fomentar um diálogo intercultural alargado num mundo cada vez mais global.
Anexo: A ideia que pretendia acentuar é a de que a máxima "não importa o que as pessoas fazem, mas sim o que dizem" inverte completamente o pensamento de Karl Marx, e, nesse sentido, deve ser vista como uma noção ideológica. Faz lembrar a célebre frase de Derrida: "não há nada fora do texto". As implicações desta viragem simbólica e interpretativa na comunicação e na educação são demasiado evidentes: tirania emocional da opinião, a qual já não reconhece a força dos factos e das evidências empíricas! Daí o relativismo e a anarquia que ameaçam a própria essência da democracia!
J Francisco Saraiva de Sousa

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