segunda-feira, 31 de março de 2008

Crise da Educação em Portugal

O programa "Prós e Contras" de hoje será dedicado novamente à educação. "Da palmatória ao empurrão" irá debruçar-se em torno das seguintes questões: "O que é a autoridade?, o que significa o respeito?, como se relacionam professores, alunos e pais?, dos tempos da palmatória às imagens do empurrão, quem manda hoje nas nossas escolas?, o que é ser professor e ser aluno?". Estas questões estão viciadas e, por isso, «o maior debate da televisão portuguesa» que vai reunir professores, alunos, pais, sociólogos e psicólogos, os coveiros activos da educação em Portugal, vai afogar-se em torno do lema peregrino e néscio «crescer e aprender em harmonia».
Como já dediquei muitos posts à situação da educação em Portugal, vou ser mais sintético nas teses que defendo, confrontando-as com as perspectivas filosóficas de Hannah Arendt e de Theodor W. Adorno. A tese fundamental limita-se a constatar que a educação em Portugal e no Ocidente está em crise profunda e essa crise começa gradualmente a instalar-se após o 25 de Abril de 1974, devido à implementação de políticas erradas da educação. O resultado é visível: a escolas portuguesas são cloacas comportamentais. Aquilo que a educação devia ter evitado instalou-se nas escolas: a barbárie.
Adorno definiu a barbárie como «algo muito simples»: apesar de viverem na civilização que atingiu «o mais elevado nível de desenvolvimento tecnológico, as pessoas encontram-se atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação à sua própria civilização, e não apenas por não terem na sua esmagadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, em terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda a civilização venha a explodir, aliás uma tendência imanente que a caracteriza». Diante desta catástrofe civilizacional iminente, a tarefa mais urgente da educação é «desbarbarizar» a escola e reorientar todos os outros objectivos educacionais em função desta tarefa. A filosofia da educação de Adorno gira, portanto, em torno da «educação após Auschwitz», visando um projecto educativo contra o regresso da barbárie. E eis que regressámos efectivamente à barbárie.
Hannah Arendt desenvolveu a noção de crise (periódica) da educação em função da experiência educativa americana, vendo nela um sinal da crise mais geral do desaparecimento do senso comum: o fracasso e a renúncia do juízo humano. Esta crise deve-se fundamentalmente ao impulso irracional «para igualar ou apagar tanto quanto possível as diferenças entre jovens e velhos, entre dotados e pouco dotados, entre crianças e adultos, e, particularmente, entre alunos e professores». Este nivelamento por baixo consumou-se «à custa da autoridade do mestre ou às expensas daquele que é mais dotado entre estudantes». As políticas e as reformas da educação facilitaram este colapso da educação. Hannah Arendt destaca «três pressupostos básicos»:
1. O Mundo Autónomo das Crianças. O primeiro pressuposto é «o de que existe um mundo autónomo da criança e uma sociedade autónoma formada entre crianças, e que se deve, na medida do possível, permitir que elas governem. Os adultos estão aí apenas para auxiliar esse governo».
Ora, este pressuposto emancipa a criança da autoridade dos adultos e, na escola, mina a autoridade dos professores, ao mesmo tempo que não a liberta da «tirania da maioria», a autoridade do grupo etário de que faz parte. Convém acrescentar que esta autonomia do mundo das crianças é fortemente reforçada e incentivada pelas modernas indústrias culturais juvenis que lucram com esta criação de um universo juvenil à custa da perda da autoridade dos adultos, sejam eles pais ou professores. A tirania do seu próprio grupo compar limita a capacidade de reacção das crianças, a qual «tende a ser ou o conformismo ou a delinquência juvenil, e frequentemente é uma mistura de ambos».
2. A Pedagogia e a Escola dos Professores. O segundo pressuposto básico está relacionado com o ensino: «Sob a influência da Psicologia moderna e dos princípios do Pragmatismo, a Pedagogia transformou-se numa ciência do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria efectiva a ser ensinada». Segundo esta perspectiva, um professor é «um homem que pode simplesmente ensinar qualquer coisa; a sua formação é no ensino e não no domínio de qualquer assunto em particular».
Deste pressuposto resulta a grave negligência da «formação dos professores nas suas matérias». Como profissional do ensino, o professor já não precisa conhecer a sua matéria e, por isso, raramente encontra-se «um passo à frente da sua turma em matéria de conhecimento». Numa tal escola dos professores-funcionários do ensino, os estudantes são efectivamente abandonados aos seus próprios recursos, com a bênção das novas metodologias de ensino que dizem fomentar a investigação e o espírito crítico, e os próprios professores perdem a fonte mais legitima da autoridade do professor: «a pessoa que sabe mais e que pode fazer mais que (os alunos)». O pior é que a figura do «professor não-autoritário, que gostaria de se abster de todos os métodos de compulsão por ser capaz de confiar apenas na sua própria autoridade, não pode mais existir».
3. A Teoria Moderna da Aprendizagem. Este segundo pressuposto está intimamente ligado ao terceiro pressuposto básico sobre a aprendizagem. Este último pressuposto que encontrou expressão conceptual sistemática no Pragmatismo, é «o de que só é possível conhecer e compreender aquilo que nós próprios fizemos, e a sua aplicação à educação é tão primária quanto óbvia: consiste em substituir, na medida do possível, a aprendizagem pelo fazer. O motivo pelo qual não foi atribuída nenhuma importância ao domínio que tenha o professor da sua matéria foi o desejo de levá-lo ao exercício contínuo da actividade de aprendizagem, de tal modo que não transmitisse, como se dizia, "conhecimento petrificado", mas, ao invés disso, demonstrasse constantemente como o saber é produzido. A intenção consciente não era a de ensinar conhecimentos, mas sim inculcar uma habilidade, e o resultado foi uma espécie de transformação de instituições de ensino em instituições vocacionais que tiveram tanto êxito em ensinar a dirigir um automóvel ou a utilizar uma máquina de escrever (hoje o computador), ou, o que é mais importante para a "arte" de viver, como ter êxito com outras pessoas e ser popular, quanto foram incapazes de fazer com que a criança adquirisse os pré-requisitos normais de um currículo padrão».
O resultado é, como bem viu Hannah Arendt, a diluição da distinção entre brinquedo e trabalho, a favor do primeiro. Esta dupla-substituição da aprendizagem pelo fazer e do trabalho pelo brincar promove a infantilização: «Aquilo que, por excelência, deveria preparar a criança para o mundo dos adultos, o hábito gradualmente adquirido de trabalhar e de não brincar, é extinto em favor da autonomia do mundo da infância». Daqui resulta que, sob o pretexto de respeitar a independência da criança, esta é infantilizada até à vida adulta avançada e, portanto, «excluída do mundo dos adultos e mantida artificialmente no seu próprio mundo». A relação de ensino e de aprendizagem entre adultos e crianças é extinta, ao mesmo tempo que esta retenção da criança no seu próprio mundo oculta «o facto de que a criança é um ser humano em desenvolvimento, de que a infância é uma etapa temporária, uma preparação para a vida adulta».
Estes três pressupostos destruíram o sistema educativo, porque, «na medida em que procura estabelecer um mundo de crianças, (a educação moderna) destrói as condições necessárias ao desenvolvimento e crescimento vitais», adiando indefinidamente a sua entrada no mundo público dos adultos, sem que ninguém assuma a responsabilidade (colectiva) pelo mundo. Esta perda da autoridade foi iniciada na esfera política e, actualmente, invade a esfera escolar e a esfera privada do lar. Até mesmo os pais recusam-se a assumir a responsabilidade pelo mundo ao qual trouxeram as crianças e a escola deixou de ensinar às crianças como o mundo é. A barbárie instalou-se em todas as esferas da sociedade e, com a perda da autoridade e o não-respeito pela tradição, o poder corre o risco de ser vencido nas ruas pela violência. Desbarbarizar o Ocidente é actualmente a tarefa mais urgente que deve ser levada a cabo pelo poder político esclarecido pela Filosofia e não pela miséria dos modelos oriundos das ciências sociais, em particular da sociologia e da psicologia, os quais contribuíram para a destruição da educação para o conhecimento, a emancipação e a cidadania responsável, contra a barbárie.
Porém, o programa de Fátima Campos reúne os coveiros bárbaros da educação: professores, alunos, pais, sociólogos e psicólogos! Apesar de pretender contribuir para o esclarecimento das reformas e da sua necessidade, Fátima Campos arrisca-se a barbarizar ainda mais a situação. Mas aguardemos pelo programa e pelo comentário que faremos posteriormente ao mesmo. Entretanto, pode reler este post Violência Escolar e Barbárie.
J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 30 de março de 2008

Estética e Barbárie Cultural

Nas suas "Teses sobre a Filosofia da História", Walter Benjamin escreveu: «Não há nenhum documento da cultura que não seja também documento de barbárie». Ora, no nosso tempo, a cultura oficializada é a própria barbárie. A teoria crítica é obrigada a rever profundamente a sua estética.
A teoria estética de Marcuse procura mostrar que a arte pode contribuir para a luta desesperada pela transformação do mundo, uma vez que representa o objectivo derradeiro de todas as revoluções: a liberdade e a autonomia do indivíduo. Deste modo, a teoria estética de Marcuse continua ligada à teoria marxista da sociedade, que «compreende a sociedade estabelecida como uma realidade que deve ser mudada». Após o colapso do sistema soviético, as chamadas "sociedades livres" revelam o seu verdadeiro rosto: a corrupção das suas pretensas elites que abusaram do reforço do poder do Estado e das suas tarefas sociais para enriquecer em termos privados. É esta sociedade mais cleptocrática do que democrática que urge transformar, de modo a garantir a qualidade da democracia. A "cultura" destas pseudo-elites é a barbárie. A linguagem política é, actualmente, mentirosa e abusa dos cálculos "falsificados" para credibilizar a mentira. A barbárie também é política: esta geração de políticos sem ideias é o horror.
Contudo, na actual sociedade de consumidores (Hannah Arendt), «os seres humanos administrados reproduzem […] a própria repressão e renunciam à ruptura com a realidade». Nesta situação de integração social e cultural total, tanto a teoria crítica como o seu projecto político são forçadas a mudar teoricamente de rumo. Neste contexto social de ofuscamento e de paralisia da crítica, Marcuse procurou pensar a afinidade e a oposição entre a arte e a praxis radical: «Ambas visionam um universo que, embora provenha das relações sociais existentes, também liberta os indivíduos destas relações». A arte e a política visam a libertação e, nesse sentido, a arte como negação da realidade estabelecida antecipa ilusoriamente um outro princípio de realidade que guia a praxis revolucionária. Para Marcuse, a "sociedade socialista" não resolve todos os conflitos entre o universal e o particular, entre os seres humanos e a natureza, entre os indivíduos uns com os outros: «O socialismo não liberta Eros de Thanatos, nem poderia fazê-lo». Esta incapacidade de vencer definitivamente as forças da morte impele «a revolução para além de todo o estado de liberdade conseguido». Isto significa que a revolução nunca é definitiva, mas sempre permanente. É sempre «a luta pelo impossível, contra o inconquistável cujo domínio talvez possa, no entanto, ser reduzido». Como escreve Marcuse:
«A arte reflecte esta dinâmica na insistência na sua própria verdade, que assenta na realidade social, sendo, no entanto, a sua outra face. A arte abre uma dimensão inacessível a outra experiência, uma dimensão em que os seres humanos, a natureza e as coisas deixam de se submeter à lei do princípio da realidade estabelecida. Sujeitos e objectos encontram a aparência dessa autonomia que lhes é negada na sua sociedade. O encontro com a verdade da arte acontece na linguagem e imagens distanciadoras, que tornam perceptível, visível e audível o que já não é ou ainda não é percebido, dito e ouvido na vida diária».
A arte antecipa um outro princípio da realidade mais livre e pleno, que a praxis radical deve procurar realizar: «A autonomia da arte reflecte a ausência de liberdade dos indivíduos na sociedade sem liberdade». A arte mostra a liberdade negada aos indivíduos pela sociedade repressiva: «Se as pessoas fossem livres, então a arte seria a forma e a expressão da sua liberdade». Mas, como as pessoas não são livres e autónomas, «a arte continua marcada pela ausência de liberdade; ao contradizê-la, adquire a sua autonomia. O nomos a que a arte obedece não é o do princípio da realidade estabelecida, mas a sua negação».
A arte antecipa, no seio da sociedade repressiva, a sua negação, isto é, a sociedade livre, embora de forma necessariamente sublimada e alienada. O que a praxis radical procura realizar é o que já está esboçado na forma estética, embora de forma sublimada e irreal. A arte é, de certo modo, transcendência, portanto, utopia. Mas «a utopia na grande arte nunca é simples negação do princípio de realidade (senão seria abstracta, má-utopia), mas a sua preservação transcendente em que o passado e o presente projectam a sua sombra na realização. A autêntica utopia baseia-se na memória».
Se «toda a reificação é, como afirmaram Adorno & Horkheimer, um esquecimento», então a arte é o contrário de toda a reificação: a arte é memória: memória do sofrimento e do terror. «A arte combate a reificação fazendo falar, cantar e talvez dançar a palavra petrificada. (...) O esquecer os sofrimentos do passado e as alegrias passadas torna mais fácil a vida sob um princípio de realidade repressiva. Pelo contrário, a lembrança estimula o impulso pela conquista do sofrimento e da permanência da alegria».
Porém, sob o princípio de realidade estabelecida, «a força da lembrança é frustrada: a própria alegria é eclipsada pela dor» e pela gratificação. A inexorabilidade deste eclipse da lembrança é uma questão aberta, porque «o horizonte da história ainda está aberto. Se a lembrança das coisas passadas se tornasse um motivo poderoso na luta pela mudança do mundo, a luta seria empreendida para uma revolução até aqui suprimida nas revoluções históricas anteriores».
Nos seus escritos de juventude, Marcuse tinha elaborado o conceito do carácter afirmativo da cultura e, muito mais tarde, reconheceu que uma civilização do prazer pode constituir um obstáculo à tarefa da libertação. Embora não tenha sido sempre claro a este propósito, Marcuse sabia que a gratificação imediata e a educação sem esforço paralisam a crítica e a preparação subjectiva para a Grande Recusa. Ora, este reconhecimento inviabiliza a «dimensão estétca» pensada na sua verdade como a vitória de Eros sobre Thanatos, a qual mais não é do que o próprio domínio de Thanatos. Eros é domesticado e a sexualidade plástica torna-se um obstáculo à luta pela autonomia.
Esta observação crítica aponta para uma outra leitura do pensamento estético e político de Herbert Marcuse, num confronto com as estéticas pós-modernas, levando em conta a estética da recepção de W. Iser e de H.R. Jauss, a teoria da vanguarda de Peter Bürger e a sua crítica da estética idealista, o conceito de soberania da arte de C. Menke, a ideologia estética de Paul de Man e o contributo fresco de Marshall Berman. A noção marcuseana de subjectividade rebelde pode funcionar como fio condutor, desde que reformulada em função dos modelos relacionais do Self, sem cair na tentação sofista do consenso universal de Habermas. Também no domínio estético a teoria crítica precisa mudar de rumo: a arte contemporânea tornou-se um feitiço! A Grande Recusa exige o resgate do Ocidente e a sua libertação dos elementos estranhos!
J Francisco Saraiva de Sousa

sábado, 29 de março de 2008

Internet Social

Bargh & McKenna (2004) elaboraram uma teoria social da Internet que, ao contrário da perspectiva mais negativa de Griffiths (2001) ou de Cooper et al. (1999), acentua os efeitos positivos exercidos pela Internet sobre a vida social quotidiana dos seus utilizadores. A Internet e a comunicação mediada por computador «beneficiam» aqueles indivíduos cujas identidades são socialmente muito estigmatizadas, possibilitando-lhes revelar aspectos das suas vidas íntimas que encobrem na vida offline dos outros indivíduos com quem convivem diariamente. Para estas pessoas estigmatizadas, a "vida on-line" é muito mais gratificante que a "vida off-line" e, frequentemente, após terem revelado, no meio virtual, aspectos significativos dos seus «eus verdadeiros» (Rogers), tendem a integrá-los nas suas vidas reais.
Os portugueses, cujos comportamentos on-line investigo intensivamente desde 2000, não escapam a este padrão descoberto e, tal como os estrangeiros, usam frequentemente a Internet para revelar aspectos reais dos seus «eus reais» a outros que partilham desses mesmos traços e, deste modo, agirem em conformidade com as suas verdadeiras identidades.
Sherry Turkle (1997) interpretou esta tarefa de "refazer" as suas identidades no meio virtual, levando apenas em conta e sobrevalorizando a experiência dos MUDs (Multi-User Domains), como a emergência da oportunidade das pessoas expressarem múltiplas facetas da sua personalidade, muitas vezes inexploradas, de brincar com a sua identidade ou experimentar novas identidades, donde resulta que «a identidade de uma pessoa no computador é a soma da sua presença distribuída». «A prática vivida nas janelas é a dum eu descentrado que existe em muitos mundos e desempenha muitos papéis ao mesmo tempo», cabendo aos Muds «oferecerem-nos identidades paralelas, vidas paralelas». Aliando-se ao pós-modernismo, Turkle afirma mesmo que, nos mundos mediados pelo computador, «o eu é múltiplo, fluido e constituído em interacção com uma rede de máquinas».
Embora esta perspectiva capte traços das "identidades pós-modernas" (Bauman) de muitos utilizadores da Internet, os nossos resultados não confirmam esta generalização. Com efeito, a nossa cyberpesquisa revelou que a maior parte dos utilizadores da Internet não perdeu o bom senso que lhes permite distinguir entre realidade e fantasia. Pelo contrário, os portugueses tendem a exibir uma concepção bastante "pragmática" da Internet, visto que, com excepção de uns poucos que vivem dependentes da vida no ecrã, sabem conjugar a vida real com a vida no ecrã, que encaram como uma nova arena social que permite realizar as suas "ficções verdadeiras" que, posteriormente, tendem a incorporar nas relações que estabelecem com os outros nos contextos práticos da vida quotidiana.
A comissão europeia diz que Portugal é o 3º país melhor classificado no ranking dos serviços electrónicos. Neste aspecto, cabe dizer que os homens utilizam mais a Internet do que as mulheres, cujos usos da Internet tendem a restringir-se a um mínimo de «aplicações». Este dado corrobora a nossa ideia de que os portugueses, mais os homens do que as mulheres, mais os jovens do que os mais «velhos», integraram rápida e facilmente o computador e a Internet na sua vida quotidiana. Este facto mostra que a Internet tem efeitos sobre a vida real e quotidiana das pessoas, quer ao nível das instituições públicas ou das empresas que melhoram a qualidade dos seus serviços, com menores custos e sem perdas desnecessárias de tempo, quer ao nível da vida diária das pessoas.
Se tentarmos clarificar melhor a distinção entre «vida electrónica autónoma» e «vida electrónica heterónoma», chegaremos à noção de que existem duas maneiras dos utilizadores se relacionarem com o computador e a Internet: uns, os peregrinos de Bauman, usam estas novas tecnologias para enriquecer a sua vida real e o seu eu, enquanto outros, o deambulador, o vagabundo, o turista e o jogador de Bauman, se deixam aprisionar na rede, sacrificando a sua vida real às satisfações momentâneas obtidas dos usos compulsivos da Internet. Confrontamo-nos com a concepção dual da Internet que, à imagem de Jano, tem duas faces (Barak & King, 2000): um lado positivo e claro, outro lado negativo e escuro, e a «escolha» de uma das vias em detrimento da outra depende muito do perfil psicológico do utilizador e de outras variáveis sociais. (Sobre estes assuntos pode ler, entre outros posts, GaySex on the Internet e Internet Sex Addiction.)
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 27 de março de 2008

Política e Fisiologia Cartesiana

António Damásio (1994) escreveu uma obra com um título deslocado e incorrecto, "O Erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano", que dedica apenas 4 ou 5 páginas a Descartes, nas quais critica a noção de «mente descorporalizada» e defende, por oposição, a noção de «mente verdadeiramente incorporada» que requer «a adopção de uma perspectiva do organismo». Se Damásio pretendia demolir o programa de pesquisa fisiológica de Descartes e o seu impacto sobre a medicina contemporânea, então devemos concluir que essa tarefa não foi atingida, pela simples razão do pensamento de Descartes ser muito mais complexo do que pensava Damásio, que se limitou a parodiar algumas falsas verdades do senso comum filosófico, escamoteando as obras científicas de Descartes e subavaliando as suas obras filosóficas.
Conforme mostrou o excelente biofilósofo Woodger (1978), o senso comum científico tende a baralhar os conceitos de hipótese, teoria e facto, sem ter em conta que não há observação sem hipóteses ou teorias. Ora, a filosofia biológica interessa-se fundamentalmente por hipóteses e por teorias e, no caso de Descartes, é necessário avaliar honestamente a mudança de paradigmas que operou no campo das ciências biológicas e biomédicas, substituindo o paradigma aristotélico organicista, assente na biologia, por um paradigma mecanicista, baseado na física e na matemática, aspecto que não passou despercebido a Russell que viu no seu pensamento «a origem da filosofia moderna».
O estudo da biofilosofia de Descartes deve reavaliar o seu contributo para a organização do moderno pensamento biológico e mostrar que as descobertas feitas por outros biólogos só foram possíveis graças ao programa fisiológico elaborado por Descartes. O meu plano de trabalho é o seguinte:
1. Cogito ergo sum. Com o recurso às obras filosóficas de Descartes, em particular «O Discurso do Método» e as «Meditações», podemos encarar o «cogito ergo sum» como a descoberta filosófica mais importante de Descartes.
2. Res cogitans e res extensa. A actividade de pensar desempenha uma importância extraordinária no sistema teórico de Descartes: a distinção entre res cogitans e res extensa teve um impacto particularmente «avassalador» sobre a medicina, tal como vislumbrou o próprio Damásio.
3. Mente e cérebro. Descartes elaborou uma neurofisiologia com base na sua hipótese dualista interactiva, como mostrou John C. Eccles, aliás um seguidor moderno de Descartes.
4. Fisiologia cardiovascular. Com o recurso necessário às obras científicas de Descartes, tais como «As Paixões da Alma» e «L'Homme», é preciso levar em consideração que Descartes pretende descrever «o corpo humano como uma máquina similar a um relógio, um moinho de vento ou uma fonte», embora seja infinitamente mais complexo do que essas máquinas produzidas pelos homens, e avaliar a sua hipótese da circulação do sangue em relação com a de Harvey, de resto a correcta.
5. Fisiologia mioneural. Se Harvey deu à fisiologia uma teoria da circulação do sangue, Descartes dotou-a de uma fisiologia do movimento corporal e da sensação, na qual «os espíritos animais» desempenham um papel primordial na produção dos movimentos corporais executados pelos músculos. Descartes descreve o comportamento do corpo como o resultado de um mecanismo reflexo.
6. Determinantes da personalidade. A psicologia cartesiana funda-se na neurofisiologia e na fisiologia do comportamento, onde a glândula pineal desempenha um papel cardeal. De facto, a teoria cartesiana da acção voluntária depende da mobilidade desta glândula no interior das cavidades do cérebro.
7. A glândula pineal. Descartes analisou cuidadosamente como a glândula pineal executa todas as suas importantes funções, com especial referência à óptica fisiológica, e detalhou o mecanismo psicofísico, que parece ser pensado como uma versão da teoria do «duplo-aspecto» do mental e do físico. É necessário ter em conta as suas obras «Dióptrica» e «Princípios da Filosofia».
8. A base física da memória. Descartes alargou o âmbito da sua teoria e procurou demonstrar que o mecanismo proposto pode explicar igualmente a memória, elaborando uma teoria que parece notavelmente moderna.
9. As fontes da acção humana. Descartes assumiu claramente uma explicação mecânica do comportamento humano, na qual os «espíritos animais» e os «objectos externos» desempenham papéis fundamentais, descartando-se da concepção tripartida da alma proposta por Aristóteles. Sherrington reconheceu o contributo dado por Descartes ao estudo dos reflexos condicionados.
10. O programa fisiológico de Descartes e seu impacto sobre as ciências modernas. Torna-se, portanto, necessário avaliar todo o programa fisiológico de Descartes, por oposição ao de Aristóteles, e os seus efeitos posteriores sobre a pesquisa e a actividade biomédicas. «De la Formation du Foetus» é outra obra que deve ser analisada, onde Descartes, que nunca se preocupou muito com a nutrição, aliás matéria muito aristotélica, admite ter perdido a esperança de descobrir as causas da auto-formação dos animais, especificando mais a anatomia do que o desenvolvimento.
Diante deste projecto ambicioso que urge concluir, torna-se muito difícil afirmar que Descartes defendia uma noção de «mente descorporalizada», como supõe António Damásio, sobretudo se levarmos em conta a noção de filosofia como «luta de classes na teoria» (Althusser). Ora, esta noção marxista de filosofia permite clarificar uma abordagem política do problema corpo/alma, actualmente reformulado em termos neurocientíficos pela filosofia da mente. Na sua obra «The Promise of Politics», Hannah Arendt (2005) escreveu nesse sentido:
«Todas as nossas fórmulas presentes que dizem que só os que sabem obedecer têm as qualificações requeridas para comandar, ou que só os que sabem governar-se a si próprios, podem legitimamente governar os outros, têm a sua origem nesta relação entre a política e a filosofia. A metáfora platónica de um conflito entre o corpo e a alma, visando originalmente exprimir o conflito entre filosofia e política, teve um impacto tão formidável sobre a nossa religião e a nossa história espiritual que encobriu a sua base da ordem da experiência de onde emergiu, do mesmo modo que a divisão platónica do homem em dois encobriu a experiência original do pensamento como diálogo dos dois-num-só, que está na raiz de todas as divisões desse tipo. Isto não significa que o conflito entre a filosofia e a política poderia vir a ser suavemente dissolvido numa teoria sobre a relação entre o corpo e a alma, mas quer dizer que ninguém depois de Platão teve como ele consciência da origem política do conflito, ou ousou exprimi-lo em termos tão radicais».

Theodor W. Adorno afirmou ser necessário retomar a ideia da origem política do problema das relações entre a alma e o corpo, no âmbito da teoria crítica da sociedade. Esta ideia da origem política do actual problema mente/cérebro fornece evidência para a tese segundo a qual a neurofilosofia pode ser definida, em última instância, como luta política no campo das neurociências. «Em última instância» significa que a neurofilosofia é muitas outras coisas, mas provavelmente todas elas possam ser submetidas a uma leitura política. A nossa tradição, incompreendida por António Damásio, tem defendido o duplo primado da razão sobre a emoção e da alma sobre o corpo. Pretender inverter este duplo primado, além de violar a dignidade da nossa tradição, ameaça o futuro da Civilização Ocidental e o seu domínio.

Assim, no seio das neurociências, surgiu recentemente o modelo neuro-económico ou a teoria da mente, que oferecem uma outra perspectiva científica mais congruente com o primado político da racionalidade e da dignidade do espírito humano. Estes últimos modelos são justos e ajustam-se aos ensinamentos «tradicionais», podendo ser lidos em termos políticos, como a necessidade de pensar e, portanto, de criticar uma sociedade metabolicamente reduzida, portanto, centrada exclusivamente nos interesses e desejos do corpo, muitas vezes mutilado e usado como objecto de exposição pública, tatuado e perfurado, em detrimento das faculdades espirituais humanas. A filosofia de Marx é materialista, não porque conceba o primado da «matéria» sobre a «consciência», mas porque visa a própria superação do materialismo incorporado no e pelo sistema capitalista. (Este post retoma ideias já apresentadas noutros posts, Fisiologia Cartesiana, Política da Mente e do Cérebro e Damásio e Espinosa.)
J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 26 de março de 2008

Fisiologia do Casamento e Saúde

Ao contrário do que é difundido pelos mass media e pelas suas mensagens medíocres psicosociologicamente orientadas, o casamento constitui a relação fundamental para a maioria dos indivíduos adultos e tem efeitos positivos na sua saúde. Ao mesmo tempo, os casamentos perturbados e infelizes têm consequências negativas na saúde.
Com base no modelo do stress/apoio social (Burman & Margolin, 1992), Robles & Kiecolt-Glaser (2003) reviram as vias fisiológicas através das quais a relação marital influencia a saúde: os sistemas cardiovascular, endócrino e imunológico. Os casamentos infelizes estão associados com morbidade e mortalidade elevadas: os conflitos e as discussões conjugais desencadeiam elevada actividade cardiovascular, alterações nos níveis das hormonas relacionadas com o stress e desregulação da função imune. O stress crónico é o factor que ajuda a compreender a associação entre as mudanças fisiológicas e os diversos funcionamentos maritais.
Os indivíduos casados dizem ser mais felizes e estar mais satisfeitos com a vida (Mastekaasa, 1994) do que os indivíduos solteiros. Correm menor risco de depressão ((Robins & Regier, 1991) e têm maior protecção contra a mortalidade do que os indivíduos solteiros (Johnson et al., 2000). Porém, o casamento protege mais os homens da mortalidade do que as mulheres (Litwak & Messeri, 1989; Berkman & Breslow. 1983; Ross et al, 1990). Os factores que parecem promover a saúde e o bem-estar na relação marital são a coabitação, o bem-estar económico e o apoio social (Ren, 1997; Hughes & Gove, 1981).
A fisiologia do stress crónico «aplica-se» tanto aos casais de sexo oposto como aos casais do mesmo sexo. Contudo, como seria de esperar numa sociedade heterosexista, o estigma sexual cria constantemente a categoria de "cidadãos de segunda classe", condenando os casais do mesmo sexo ao isolamento social e jurídico. Ora, o isolamento social constitui um factor de risco para a morbidade e a mortalidade (House et al., 1988). O conceito de "minority stress" foi elaborado para mostrar os riscos acrescidos a que estão sujeitos os casais do mesmo sexo devido ao preconceito sexual (Riggle, Thomas & Rostosky, 2005).
J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 25 de março de 2008

Body Piercing, Personalidade e Comportamento Sexual

No seu derradeiro curso de introdução à Filosofia, Theodor W. Adorno (1962-63) desafiava a filosofia contemporânea a retomar a problemática da relação entre o corpo e a alma, que dominou as grandes filosofias do racionalismo do século XVII (Descartes, Espinosa e Leibniz), ao mesmo tempo que lamentava a ausência de uma solução no âmbito da teoria crítica. Actualmente, este problema da relação entre corpo e alma está no centro das reflexões da filosofia da mente (John R. Searle, Daniel Dennett, David Chalmers, Patrícia Churchland), a qual reformulou o problema em termos neurocientíficos. Porém, ao reduzir o problema à relação entre cérebro e mente, a filosofia da mente deixa escapar a complexidade da formulação clássica do problema, tornando-se incapaz de contribuir para a elaboração de uma filosofia do corpo e de iluminar uma praxis política.
O estudo empírico dos piercings corporais constitui uma via excelente para esclarecer, de forma social e politicamente relevante, as relações entre o corpo e a mente. Neste âmbito objectal, já possuímos muitos estudos que procuraram estabelecer ligações entre os piercings corporais, as características sociodemográficas, os traços de personalidade e o comportamento sexual (Armstrong et al., 2004; Buhrich, 1983; Caliendo et al., 2005; Carroll et al., 2002; Claes et al., 2005; Ferguson, 1999; Forbes, 2001; Holtham, 2004; Nathanson et al., 2007; Roberts et al., 2004; Skegg et al., 2007; Steele, 1996; Stirn, 2003; Sweetman, 1999; Willmott, 2001). A prática de inserir agulhas, anéis e outros objectos dentro da carne foi documentada na maioria das culturas ao longo dos séculos (Myers, 1999; Ferguson, 1999; Falcon, 2000; Lehmann et al., 2000; Meyer, 2000), mas, ao nível das sociedades ocidentais, só floresceu abundantemente nas últimas décadas (Tweeten & Rickman, 1998; Ferguson, 1999; Armstrong et al., 2002), com o aumento significativo dos piercings íntimos (intimate piercing), em especial os piercings mamilares (nipple piercings) e os piercings genitais (genital piercings).
Das teorias existentes sobre as modificações corporais, destacaremos a teoria da significação dos piercings em termos de expressão corporal do self (Stirn, 2003; Sweetman, 1999; Skegg et al., 2007), em detrimento da teoria dos piercings como moda (Steele, 1996) e da teoria dos piercings como marcadores de culturas desviantes (Nathanson et al., 2007). Esta teoria aborda o piercing, bem como outras modificações corporais (tattoos), como uma maneira de construir a auto-identidade através da atenção dirigida exclusivamente para o corpo. Isto significa que o chamado “self pós-moderno” (Sweetman, 1999) usa o seu próprio corpo como uma forma de expressão, provavelmente em detrimento das suas faculdades mentais e cognitivas superiores, as quais parecem estar em regressão: o "fora" parece dominar em detrimento do "dentro", como se o raio de acção do self tivesse sido restringido à sua própria superfície corporal como sinal da sua impotência social!
Skegg et al. (2007) investigaram as associações do piercing corporal com outras características sociais, a personalidade e o comportamento sexual, numa amostra de jovens adultos (Nova Zelândia). Os seus resultados abonam a favor da teoria de que o piercing corporal tem significação em termos de expressão corporal do self. A avaliação destas características numa amostra de indivíduos com e sem piercings corporais mostrou que as mulheres com piercings, quando comparadas com as mulheres sem piercings, eram muito mais propensas a exibir traços de personalidade de baixo constrangimento e de elevada emocionalidade negativa, e disseram ter tido múltiplos parceiros sexuais do sexo oposto ou parceiros do mesmo-sexo no ano anterior. Além disso, eram menos propensas a ter peso em excesso. Os indivíduos que tinham vivido fora da Nova Zelândia ou que eram de etnia Maori eram mais propensos a ter piercings. O desemprego e o baixo status ocupacional não estavam significativamente relacionados com o piercing.
Os resultados deste estudo de Skegg et al. (2007) mostraram que ter múltiplos parceiros sexuais heterossexuais ou do mesmo-sexo é mais comum entre mulheres adultas com piercings corporais (independentemente da sua localização) e com fraco auto-controle. A associação entre estes traços da personalidade e o piercing corporal não foi descoberto nos homens, o que parece sugerir a existência de uma diferença de género: o piercing corporal pode ser um indicador do comportamento sexual, pelo menos entre as mulheres. Caliendo et al. (2005) mostraram que as pessoas com piercings mamilares e genitais eram mais propensas a ser homossexuais ou bissexuais do que os restantes membros de uma amostra americana, associação já constatada noutros estudos anteriores (Ferguson, 1999; Buhrich, 1983).
Ortega y Gasset tinha dito no século passado que a nossa época era a "época do mancebo", portanto, do corpo masculino atlético. Robert Mapplethorpe e Tom Bianchi foram os fotógrafos da época do "mancebo gay". Após a sua «libertação» da dominação masculina, as mulheres abdicam da sua especificidade maternal e imitam os homens, recriando o seu corpo e cobrindo-o de piercings e de tatuagens, de modo a emitir a mensagem de «disponibilidade sexual»: o piercing corporal feminino exprime, portanto, uma identidade (sexual) pessoal, enquanto o piercing corporal masculino significa um identidade de grupo. (O próximo post será dedicado ao desenvolvimento deste mesmo tema.)
J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 24 de março de 2008

Salmo dedicado a Karl Kraus

Antes de reiniciar a minha actividade mais interventiva depois deste breve período de recolhimento pascal, vou partilhar mais um belo poema de Georg Trakl traduzido por João Barrento. Chama-se "Psalm" e foi dedicado a Karl Kraus.
«Há uma luz que o vento apagou.
Há uma taberna no campo, de onde à tarde sai um bêbado.
Há um vinhedo queimado e negro com covas cheias de aranhas.
Há uma sala que caiaram a leite.
Morreu o louco. Há uma ilha do mar do sul
Para receber o deus do sol. Rufam os tambores.
Os homens executam danças guerreiras.
As mulheres dão às ancas cingidas de trepadeiras e flores de fogo,
Quando o mar canta. Oh, o nosso paraíso perdido.
«As ninfas deixaram as florestas douradas.
Enterra-se o forasteiro. Depois começa a cair uma chuva cintilante,
Aparece o filho de Pã sob a forma de um trabalhador da terra
Que passa o meio-dia a dormir no asfalto em brasa.
Há rapariguinhas num pátio, com vestidinhos cheios de uma pobreza que
trespassa o coração!
Há quartos cheios de acordes e sonatas.
Há sombras que se abraçam frente a um espelho cego.
Às janelas do hospital aquecem-se os convalescentes.
Um paquete entra o canal trazendo sangrentas epidemias.
«A estranha irmã volta a aparecer nos maus sonhos de alguém.
Brinca tranquila nas avelaneiras com as estrelas dele.
O estudante, talvez um sósia, olha-a longamente da janela.
Atrás dele está o seu irmão morto, ou então desce a velha escada de caracol.
No escuro dos castanheiros empalidece a figura do jovem noviço.
O jardim está imerso no entardecer. No claustro esvoaçam os morcegos.
Os filhos do porteiro deixam de brincar e buscam o oiro do céu.
Acordes finais de um quarteto. A pequena cega atravessa a alameda a
tremer,
E mais tarde a sua sombra vai tacteando muros frios, envolta em contos de
fadas e lendas de santos.
«Há um barco vazio que ao cair da noite vai descendo o canal negro.
Na obscuridade do velho asilo há ruínas humanas em decadência.
Os órfãos mortos jazem junto aos muros do jardim.
De quartos cinzentos saem anjos com asas sujas de excrementos.
Gotejam-lhes vermes das asas amareladas.
A praça da igreja está sombria e mergulhada no silêncio, como nos dias da
infância.
Sobre solas de prata deslizam vidas passadas
E as sombras dos condenados descem às águas soluçantes.
No túmulo, o mago branco brinca com as suas serpentes.
«Em silêncio, abrem-se sobre o Calvário os olhos dourados de Deus.»
J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 23 de março de 2008

Primavera da Alma

Estamos na Primavera e, para festejar a sua chegada recente, deixo aqui mais dois poemas de Georg Trakl: Frühling Der Seele e Im Frühling, ambos traduzidos por Paulo Quintela.
Primavera da Alma
«Grito no sono; por vielas negras despenha-se o vento,
O azul primaveril acena através de ramos que quebram,
Purpúreo orvalho da noite e apagam-se em volta as estrelas.
Esverdeado o rio alvorece, prateadas as velhas aldeias
E as torres da cidade. Ó suave ebriedade
No barco que desliza e os escuros gritos do melro
Em jardins infantis. Já se abre o véu róseo.
«Solenes sussurram as águas. Oh as húmidas sombras da várzea,
O bicho a andar; verdura, ramagem florida
Toca a fronte cristalina; reluzente barco balouçante.
Baixinho ressoa o Sol nas nuvens rosadas no outeiro.
Grande é o silêncio do pinhal, as graves sombras junto ao rio.
«Pureza! Pureza! Onde estão as veredas terríveis da morte,
Do pardo mutismo de pedra, os penedos da noite
E as sombras sem paz? Refulgente abismo do Sol.
«Irmã, quando eu te encontrei em clareira solitária
Do bosque e era meio-dia e grande o silêncio dos bichos;
branca sob o carvalho bravo, e de prata floria o espinheiro
Poderoso morrer e a chama cantante no coração.
«Mais 'scuras cercam as águas os belos jogos dos peixes.
Hora do luto, contemplar silente do Sol;
A alma é um estranho na terra. Espiritual alvorece
O azul sobre o bosque abatido e ouve-se o dobre
Longo de escuro sino na aldeia; acompanhamento pacífico.
Calma floresce a murta sobre as pálpebras brancas do morto.
«Baixinho soam as águas na tarde cadente
E verdeja mais 'scuro o mato da margem, alegria no vento rosado;
O canto suave do irmão no outeiro vesperal».
Na Primavera
«Baixo cede a neve a escuros passos,
Na sombra da árvore
Erguem pálpebras róseas os amantes.
«Sempre segue aos brados 'scuros dos barqueiros
Astro e noite;
E os remos batem baixo compassados.
«Breve florescem junto à parede em ruínas
as violetas,
Tão calma verdeja a fronte ao solitário.»
J Francisco Saraiva de Sousa

sábado, 22 de março de 2008

Violência Escolar e Barbárie

"Mundus vult decipi". "O mundo quer ser enganado", mas a tarefa do pensamento independente é desenganar o mundo.
Não pretendia escrever tão cedo sobre o estado do ensino e da educação em Portugal e muito menos antes da Páscoa, mas o caso que ocorreu na Escola Carolina Michäelis e que foi divulgado no Youtube e, posteriormente, em todos os noticiários e meios de comunicação social, é deveras chocante: uma professora foi brutalmente agredida, física e verbalmente, por uma aluna, por causa do uso dos telemóveis nas salas de aula. A violência é uma rotina diária nas escolas públicas ou mesmo privadas, e, no entanto, nada foi feito para pôr termo a esta violência escolar que se instalou gradualmente nas escolas desde o 25 de Abril de 1974. Os próprios professores têm encoberto esta realidade e, muitas vezes, são os primeiros a «sacrificarem» o colega que se queixa da «indisciplina», sobretudo quando têm filhos a estudar, e a comportarem-se como «lobos» (Hobbes).
É preciso dizer que actualmente os professores não dão aulas: os alunos não estão sentados, circulam à vontade pela sala de aula, dizem constantemente palavrões, fazem gestos grosseiros, conversam uns com os outros, vão para as janelas, donde lançam provocações para o exterior, gritam, jogam diversos jogos, enviam e recebem mensagens via telemóvel, insultam frequentemente os professores, recusam participar nas tarefas escolares, gozam descaradamente os professores, não obedecem às «ordens», não podem ser contrariados, copiam descaradamente, vestem-se de modo inadequado, agridem os professores e os colegas, envolvem-se em comportamentos sexuais, drogam-se, enfim comportam-se como delinquentes. Os professores foram desautorizados e perderam autoridade e a escola converteu-se num antro comportamental.
Muitas são as razões que ajudam a compreender a degradação acelerada do ensino e da educação: todas as reformas da educação efectuadas depois do 25 de Abril contribuíram para a sua destruição. As ciências da educação deram a machadada fatal: os professores começaram a ser funcionalizados e os alunos ilibados de responsabilidades, a avaliação tornou-se um processo oneroso e burocrático, os programas perderam credibilidade científica, os manuais escolares infantilizaram-se, os pais foram convocados não para se responsabilizarem pela educação dos filhos mas para garantir a sua passagem automática e envernizar ainda mais a vida dos professores, as reuniões de avaliação transformaram-se em sessões de votação de notas, a disciplina foi abolida para não traumatizar as «crianças», a brincadeira foi incentivada em vez do esforço, as notas foram uniformizadas de modo a impossibilitar a distinção, a punição foi abolida, numa palavra, a escola foi macabramente transfigurada. Mas todos estes factores são relativamente bem conhecidos (embora não compreendidos) e estupidamente justificados em nome da democratização, da universalização ou da massificação do ensino, a qual nivela a partir de baixo. Portanto, assistimos nas últimas décadas ao regresso à barbárie: a escola não ensina nem educa, os alunos entram e saem selvagens e os professores ficam «loucos».
Para não prolongar mais este post, deixo alguns desafios teóricos: 1) a criação de escolas mistas e 2) o predomínio das mulheres no ensino. O impacto destes factores deve ser estudado e, enquanto não tivermos estudos sérios sobre as causas da degradação do ensino e da educação, isto é, um livro negro do ensino em Portugal, não adianta fazer reformas: a única reforma racional é enviar a polícia para as escolas e punir severamente os alunos, recorrendo aos velhos instrumentos de tortura escolar usados nos tempos em que a escola formava cidadãos disciplinados, educados, responsáveis e competentes. Neste clima de terror e de humilhação, mais vale suspender todas as reformas e repensar a escola que se pretende para o futuro. Sem punição não há educação: o que «traumatiza» não é a dor ou o sofrimento, mas o prazer imediato que impede os mocinhos satisfeitos de conhecerem a alegria, lançando-os nos comportamentos agressivos. Estes alunos não são inteligentes, como muitos dizem, mas crianças barbaras e violentas, portanto, os coveiros da cultura. (Leia estes posts: Natal, Dor e Prazer e JOVENS ANESTESIADOS.) Infelizmente muito daquilo que dissemos do ensino pré-universitário, também sucede nas universidades: os alunos universitários não comparecem às aulas, não estudam, abusam do álcool e de outras drogas e passam todo o seu tempo nas chamadas praxes académicas macabras.
J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 21 de março de 2008

Boa Páscoa

Tinha previsto um post diferente, mas a escassez de tempo levou-me a deixar aqui um poema de Georg Trakl. Boa Páscoa para todos os que frequentam este blogue de intervenção filosófica, científica, cultural e política, e não se esqueçam de tentar apreender a leitura que faço deste poema.
«Da sombra de um sopro nascidos,
Erramos pelo mundo abandonados
E andamos no eterno perdidos,
Sem sabermos a que Deus consagrados.
«Pobres néscios à porta, ao relento,
Pedintes sem nada de seu,
Quais cegos escutando o silêncio
Em que o nosso rumor se perdeu.
«Somos os viandantes sem norte,
Nuvens, e o vento a dissipá-las,
Flores estremecendo com o frio da morte,
À espera que venham cortá-las»
Fonte: Georg Trakl, Outono Transfigurado.
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 20 de março de 2008

Preconceito, Homossexualidade e Pedofilia

O termo pedofilia é usado para referir a «atracção sexual por crianças». Segundo o DSM-IV, na maioria dos casos de pedofilia, a criança tem menos de 13 anos de idade (pré-puberdade) e o sujeito molestador tem de ter 16 anos ou mais (pós-puberdade), sendo pelo menos cerca de cinco anos mais velho do que a criança. A atracção por meninas é relatada como duas vezes mais comum do que a atracção por meninos, embora muitos indivíduos com pedofilia sintam atracção tanto por meninas como por meninos. Esta definição de pedofilia destaca apenas a diferença de idade e os mass media tendem a associar intimamente a pedofilia e a homossexualidade, como se esta fosse uma indicadora de pedofilia. Contra este preconceito ideológico muito difundido pelos meios de comunicação social, vamos apresentar brevemente a própria perspectiva emic gay da pedofilia, confrontando-a com outros dados científicos.
Perspectiva Emic Gay. Os homossexuais têm dificuldade em distinguir «conceptualmente» entre pederastia e pedofilia e, na maior parte das vezes, confundem-nas, ou seja, usam-nas como sinónimos. Além disso, tendem a associá-las à pornografia, à prostituição e ao uso sexual da Internet. A pedofilia é, portanto, um fenómeno extremamente polémico entre os homens homossexuais. A dita "preferência pelo novo" ou "pelo jovem" é um conceito extremamente ambíguo, usado para definir tanto uma relação genuinamente pedófila como uma relação entre adultos de idades equivalentes — ambos evidentemente jovens — ou de idades diferentes — um mais jovem do que o outro. Neste último caso, se a diferença de idades for muito acentuada, a relação tende a ser "oportunista".

No léxico erótico gay português, o campo lexical da pederastia e pedofilia compreende apenas 47 lexemas e representa 7,05% do total da dimensão cognitiva das "Sexualidades Alternativas", o que equivale a dizer que a pedofilia não tem grande relevância no universo homossexual, ideológico e comportamental. Aliás, sempre que se conversava sobre este assunto, os participantes nunca o equacionaram em termos de «abuso sexual de menores».

A palavra mais usada para designar esta categoria é "pederastia": «Para nós, pederasta é o tipo que gosta de adolescentes, de rapazinhos. Sem equivalente nas raparigas, é, para os heterossexuais, sinónimo de pedófilo». Há aqui uma diferenciação subtil entre pederastia e pedofilia: aquilo que é "pederastia" (iniciação sexual) para os homossexuais é "pedofilia" para os heterossexuais. A palavra pederastia tem muitas significações. Muitas vezes, é usada pelos heterossexuais para designar depreciativamente os homens que preferem fazer sexo com outros homens. Portanto, é empregue como sinónimo de "homossexualidade masculina". Os homossexuais mais velhos diziam que esse termo era usado para os insultar, tanto por indivíduos heterossexuais como por alguns indivíduos homossexuais. Os homossexuais apropriaram-se do termo e usam-no para referir o "amor por rapazes", fazendo assim eco da sua significação grega. Assim, pederastia significa a inclinação de homens adultos, geralmente "velhos", por rapazes sexualmente maduros ou por jovens em crescimento, os ditos "adolescentes" ou "rapazinhos".

Para compreender esta significação é necessário decompor o campo lexical em subcategorias. Deste modo, obtemos quatro subcategorias: designações gerais (27%), classificação dos intervenientes — o pederasta (13,5%) e o jovem (40,5%), locais de prostituição juvenil (2,7%) e riscos da pederastia (16.2%). A subcategoria com maior percentagem é a que designa os "rapazinhos". Estes rapazes são encarados como "adolescentes" que apreciam homens mais velhos ou como uma espécie de "prostitutos" que exploram os homossexuais que apreciam rapazes. Esta segunda perspectiva que tende a ocultar a primeira permite ver a relação entre homens mais velhos e rapazes como uma forma de prostituição masculina juvenil, que acarreta riscos e põe efectivamente em risco a segurança e a integridade física dos mais velhos (16%).

A pederastia é encarada predominantemente como uma forma de prostituição juvenil e, ao definir o pederasta como «ser em risco», ou seja, como o indivíduo que se envolve em "situações perigosas", a MIG (Moderna Ideologia Gay) não incentiva a sua prática. A «vítima» não são os rapazes, chamados "arrebentas", mas os homens mais velhos que se submetem a situações de risco para satisfazer a sua preferência sexual.

Contudo, os «rapazes» nem sempre são "adolescentes" e "oportunistas". Pelo material fotográfico facultado, verifica-se que alguns rapazes são crianças ou menores. A maior parte dos homossexuais negligencia a distinção entre a pederastia, tal como a entendem, e a pedofilia, e, quando são confrontados com ela, tomam uma «atitude defensiva», alegando que a pedofilia é mais uma "invenção heterosexista" para condenar moralmente a homossexualidade masculina. E, a brincar, «redefinem» a pedofilia como uma espécie de "atracção pela juventude". Esta dificuldade deve-se, em parte, à concepção gay que associa juventude e beleza — a armadilha da "eterna juventude", considerando o envelhecimento como um "mal terrível". Assim, qualquer indivíduo que prefira parceiros sexuais mais novos é visto como um "pedófilo", sobretudo quando os seus parceiros são jovens adultos ou adultos juvenis. O envelhecimento é altamente estigmatizado, como se a homossexualidade fosse um assunto de jovens eternamente belos.

Perspectiva Etic. Esta «concepção brincalhona» da pedofilia, que desviou, durante muito tempo, a nossa atenção da pedofilia entendida como «abuso sexual de crianças», revela apenas uma parte da verdade mas não toda a verdade. Os homens homossexuais têm razão quando argumentam que os heterossexuais associam de tal modo pedofilia e homossexualidade de modo a difundir a imagem errada da pedofilia como um fenómeno exclusivamente homossexual. De facto, esta associação carece de suporte empírico. Groth & Birnbaum (1978) examinaram uma amostra de 178 homens que tinham sido condenados e acusados de «sexual assault» contra crianças no estado de Massachusetts. Identificaram que a atracção sexual destes homens compreendia adultos heterossexuais e adultos bissexuais, aos quais se juntavam 47% de indivíduos que não tinham desenvolvido uma orientação sexual adulta. De acordo com este estudo, nenhum desses homens era primariamente atraído por outros homens, portanto, homossexual. Newton (1978) descobriu que os homens homossexuais não eram tipicamente mais inclinados para o abuso de crianças do que os homens heterossexuais. Como afirmou Herek (1991), não existem dados disponíveis e recentes que desmintam estas descobertas. Jenny, Thomas & Kimberly (1994) examinaram 352 crianças enviadas para uma avaliação clínica de «child abuse». Dessa análise não surgiu evidência suficiente que sugira que as crianças corram maior risco de serem molestadas por homens identificada mente homossexuais do que por outros adultos. Herek (1991) destaca a pertinência da distinção feita entre «male-male abuse» e «adult homosexuality», porque é o abuso macho-macho que é, frequentemente, mal interpretado como abuso cometido por homens homossexuais. Aliás, o estudo de Groth & Birnbaum (1978) mostra claramente que o abuso macho-macho era perpetrado por homens heterossexuais ou que não tinham orientação sexual definida.

Os nossos dados de campo confirmam as conclusões da meta-análise de estudos sobre o abuso sexual de crianças realizada por Rind, Tromovitch & Bauserman (1998). Estes investigadores propõem uma mudança de terminologia para ajustar os critérios de abuso sexual de crianças à empiria e não à moral e ao Direito vigentes. Um desses critérios é saber se a actividade sexual foi desejada ou não pela criança ou pelo adolescente: o abuso sexual só deve ser aplicado aos casos de "sexo não-consentido" ou desejado pelo adolescente. De facto, durante a pesquisa de terreno, verificámos que a maior parte dos homens e das mulheres homossexuais relatavam «experiências sexuais precoces» que, à luz da Lei vigente, podem ser vistas como "abuso sexual". Curiosamente, este "abuso sexual de crianças" parece ser uma prática frequente nas instituições religiosas, em particular nos seminários, e os abusadores são geralmente padres e o seu "pessoal de confiança".
Muitos homens homossexuais que foram supostamente abusados sexualmente na infância ou na adolescência não foram «vítimas inocentes», porque, conforme dizem, desejavam ter sexo com adultos. Quase todos praticaram alguma forma de actividade sexual com os amigos e/ou faziam "engates" extra-institucionais. Muitos deles não desejavam ter sexo com determinados adultos por razões de "estética do gosto": ou porque o adulto, neste caso o padre, era "porco", "velho", "gordo" ou "feio" ou por qualquer outra razão do género. Existe, portanto, nestes casos, uma cumplicidade entre os supostos «ofensores» e as «vítimas». Muitas das «vítimas» já tinham atingido a maturidade sexual e, por isso, podiam escolher. As «vítimas» em idade pré-puberdade foram acariciadas, apalpadas e estimuladas ou simplesmente induzidas a praticar sexo oral ou a receber sexo anal. Algumas conseguiram evitar o sexo oral e/ou anal, depois de terem sido acariciadas. Também foram relatados casos em que as próprias crianças desafiaram os outros da mesma idade para o fazer sexo com elas ou provocaram (intencionalmente) reacções sexuais nos adultos. Estes dados mostram claramente que os homens homossexuais encaram mais positivamente estas experiências sexuais infantis do que os homens e, sobretudo, as mulheres heterossexuais. Aliás, eles encaram a "discrepância de idades" como uma "escola de aprendizagem sexual", mais precisamente como "iniciação sexual" numa idade em que os jovens preferem parceiros mais "velhos".
Porém, os jovens, adolescentes ou pré-adolescentes, também praticam abusos sexuais. Um padrão comportamental frequente é um grupo de rapazes obrigarem outro a praticar sexo com eles. Isto parece ocorrer com alguma frequência nas escolas e nos grupos de vizinhança. Geralmente, a vítima é obrigada a praticar sexo oral nos outros e, por vezes, a receber sexo anal, simulado ou real, dependendo da idade sexual dos «agressores». Esta prática que poderá parecer extremamente agressiva até pode ser realizada com o consentimento da suposta vítima: "Tu até gostas de chupar, não é?", e a «vítima» não "protesta".
Em suma: Entre os homens homossexuais, a norma parece ser que a experiência sexual precoce não constitui um «trauma»: os «traumatizados» são poucos quando comparados com os outros que «beneficiaram», de algum modo, com essas experiências sexuais precoces, nomeadamente terem a primeira oportunidade de serem homossexuais. Com efeito, uma experiência traumatizante envolve diversos tipos de abusos e a continuidade ou a repetição dos mesmos abusos cometidos por um adulto próximo ou distante, sem o consentimento da «vítima». Há vítimas que consentem e até negociam com os supostos «abusadores». Isto significa que se deve levar em conta a "percepção do sujeito" na avaliação das "experiências sexuais infantis", as quais revelam diferenças de género e de orientação sexual (Rind, Tromovitch & Bauserman, 1998). (Para evitar "más leituras", veja estes dois posts: Vocabulário Erótico, Género e Orientação Sexual e Homossexualidades Masculinas. E também este: Abuso Sexual e suas Sequelas.)
J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 19 de março de 2008

Cérebro e Genes dos Transexuais

A maioria dos indivíduos, sejam homossexuais, heterossexuais ou bissexuais, identificam-se como macho ou fêmea em concordância com o seu sexo anatómico. Este facto levou os teóricos da aprendizagem a pensar que a identidade sexual resulta da experiência de toda a vida de possuir órgãos sexuais femininos ou masculinos, reforçada pela educação e pela pressão social dos pais, dos irmãos e/ou irmãs e da sociedade em geral. Contudo, existem indícios da existência de uma representação do próprio sexo no cérebro, cujo desenvolvimento é, pelo menos parcialmente, independente das experiências da vida (Zhou et al., 1995, 1997). A prova disto advém do estudo do transexualismo e de outras síndromes (Wilson, 1999).
Os transexuais são indivíduos que acreditam que, na realidade, pertencem ao sexo oposto daquele que é indicado pelos seus órgãos genitais (G. Ramsey, 1998). Apesar da diversidade de transexualidades (R. Blanchard, 1985), existe um grupo central de transexuais que se caracteriza por um conjunto de características coerente. Durante a infância, os membros deste grupo apresentam um elevado grau de discordância sexual. Na idade adulta, as suas personalidades, avaliadas por toda uma variedade de testes psicológicos, apresentam um elevado grau de atipicidade sexual. Um homem transexual que pertença a este grupo central sente aversão pelo seu próprio pénis e especialmente pelo seu uso em actividades sexuais. Ele deseja viver e ser tratado como uma mulher. É sexualmente atraído por homens heterossexuais. Procura, e frequentemente submete-se, a tratamentos hormonais e a cirurgia de reconstrução ou mudança de sexo para alterar o seu corpo, tornando-o tão feminino quanto possível. Não apresenta sinais de perturbações psicológicas generalizadas. Uma mulher transexual que pertença a este grupo central apresentará as características reversas, tal como se se tratasse de uma imagem num espelho.

Para além deste grupo central, que constitui uma fracção substancial da totalidade das pessoas que requerem cirurgia de mudança de sexo, existem outros homens e mulheres transexuais que não apresentam todas estas características. Alguns obtêm prazer sexual do uso dos seus próprios órgãos sexuais. Alguns são sexualmente atraídos por indivíduos do sexo oposto. Alguns aparentam mesmo sinais de perturbação psicológica. Outros parecem situar-se numa posição intermédia entre transexual e homossexual ou travesti. Dadas estas diferenças entre transexuais, convém distinguir diversos tipos de transexuais.

A investigação biológica de características biológicas definidoras nos homens e nas mulheres transexuais tem revelado que determinados marcadores endocrinológicos, como o nível de testosterona nas mulheres transexuais (transexuais fêmea para macho) e a resposta atípica de hormona luteinizante ao estrogénio nos homens transexuais (transexuais macho para fêmea), bem como outros indicadores (Goh, 1999; Giltay et al., 1998; Elbers et al., 1997; Elbers et al., 1999; Giltay & Gooren, 2000; Kruijver et al., 2001; D. Slabbekoorn et al., 2000; Elbers et al., 1997), são sexualmente atípicos e dimórficos. Contudo, a descoberta de um núcleo sexualmente dimórfico (Zhou et al., 1995, 1997; Kruijver et al., 2000) forneceu a prova da existência de uma componente genética da transexualidade e o estudo das características dermatóglifas suporta o conceito da influência dos efeitos organizacionais das hormonas sexuais (D. Slabbekoorn et al., 2000).

Os transexuais têm fortes sentimentos, geralmente desde a infância até à idade adulta, de terem nascido com o sexo errado (Docter & Fleming, 2001; Wolfradt & K. Neumann, 2001). A possível etiologia psicogénica ou biológica da transexualidade tem sido objecto de debate durante muitos anos (Money & Gaskin, 1970-71; Gooren, 1990). Richard Green (2000) estudou uma amostra de 442 transexuais macho para fêmea, subdividida pela preferência de parceiro sexual (106 homossexuais, 135 heterossexuais e 46 assexuais) e verificou que o grupo dos homossexuais tinha um maior número de irmãos mais velhos do que os restantes grupos: cada irmão mais velho incrementava a orientação homossexual em 40%.

Mas o estudo mais importante é o que revela um núcleo sexualmente dimórfico. Zhou, Hofman, Gooren & Swaab (1995/97) mostraram que o volume da subdivisão central do núcleo do leito da stria terminalis (BSTc), uma área do cérebro que é essencial para o comportamento sexual (Kawakami & Samp; Kimura, 1974; Emery & Sachs, 1976), é maior nos homens do que nas mulheres. Um BSTc com tamanho feminino foi descoberto nos transexuais macho-para-fêmea. Além disso, o tamanho do BSTc não era influenciado pelas hormonas sexuais na idade adulta e era independente da orientação sexual. Este é o primeiro estudo que revela uma estrutura cerebral feminina nos machos geneticamente transexuais e que apoia a hipótese de que a identidade de género se desenvolve como resultado de uma interacção entre o desenvolvimento do cérebro e as hormonas sexuais (Swaab & Hofman, 1995).

Nos animais experimentais, as mesmas hormonas gonadais que determinam prenatalmente a morfologia dos órgãos genitais também influenciam a morfologia e a função do cérebro de um modo sexualmente dimórfico (Swaab et al., 1995; Money et al., 1984). Diversas diferenças anatómicas em relação ao sexo e à orientação sexual foram observadas no hipotálamo humano (Swaab & Hofman, 1995). Zhou et al. (1995) estudaram o hipotálamo de seis transexuais macho-para-fêmea (T1-T6), com a finalidade de descobrir uma estrutura cerebral que fosse sexualmente dimórfica, mas não influenciada pela orientação sexual, dado os transexuais macho-para-fêmea puderem ser «orientados» para cada um dos sexos no que se refere ao comportamento sexual. As suas observações iniciais mostravam que o núcleo paraventricular (PVN), o núcleo sexualmente dimórfico (SDN) e o núcleo supraquiasmático (SCN) não obedeciam a estes critérios (Swaab & Hofman, 1995).

Dado não se aceitarem modelos animais para as alterações de identidade, o núcleo do leito da stria terminalis tornou-se um candidato apropriado para esse estudo pelas seguintes razões: sabemos que o BST desempenha um papel essencial no comportamento sexual dos roedores (Kawakami et al., 1974; Emery et al., 1976). Foram descobertos não só receptores de estrogénios e de androgénios no BST (Sheridan, 1979; Commis & Yarh, 1985), como também o maior centro de aromatização no desenvolvimento do cérebro da ratazana (Jakab et al., 1993). Na ratazana, o BST recebe projecções principalmente da amígdala e providencia um poderoso input para a região preóptica do hipotálamo (Eiden et al., 1985; De Olmos, 1990). Conexões recíprocas entre o hipotálamo, o BST e a amígdala também foram documentadas em animais experimentais (Woodhams et al., 1983; Simerly, 1990; Arluison et al., 1994). Além disso, as diferenças sexuais no tamanho e no número de células do BST foram descritas nos roedores, as quais são influenciadas pelos esteróides gonadais no desenvolvimento (Bleier et al., 1982; Del Abril et al., 1987; Guillamón et al., 1988).

Também nos humanos uma parte caudal particular do BST (BNST-dspm) foi descrita como sendo 2.5 vezes maior nos homens do que nas mulheres (Allen & Gorski, 1990). A parte central do BST (BSTc) é caracterizada pelas suas células somatostatinas (553-54) e pela inervação do polipeptido vasoactivo intestinal (VIP) (Walter et al., 1991). Zhou et al. (1995) mediram o volume do BSTc a partir da sua inervação VIP. Os resultados foram os seguintes: O volume do BSTc nos machos heterossexuais era 44% maior do que nas fêmeas heterossexuais. O volume do BSTc dos homens heterossexuais e homossexuais não diferia de uma maneira estatisticamente significativa. O BSTc era 62% maior nos homens homossexuais do que nas mulheres heterossexuais.

A Sida não parece influenciar o tamanho do BST: o tamanho do BST de duas mulheres heterossexuais infectadas com Sida e de três homens heterossexuais infectados com Sida estavam dentro da média do grupo de referência correspondente. Os heterossexuais infectados com Sida foram, por isso, incluídos nos respectivos grupos de referência devido a propósitos estatísticos. Um pequeno volume do BSTc foi descoberto nos tansexuais macho-para-fêmea. O seu tamanho era somente 52% do encontrado nos machos de referência e 64% do BSTc dos machos homossexuais. Embora o volume médio do BSTc nos transexuais fosse ainda menor do que no grupo das fêmeas, a diferença não era estatisticamente significativa.

O volume do BST não estava relacionado com a idade em qualquer um dos grupos de referência estudados, o que parece indicar que o tamanho menor do BSTc observado nos transexuais não era devido ao facto deles serem, a este respeito, 10 a 13 anos mais velhos do que os homens heterossexuais e homossexuais.

O BTS desempenha um papel fundamental no comportamento sexual masculino e na regulação da libertação de gonadotropina, tal como demonstrado pelos estudos realizados na ratazana (Kimura, 1974; Emery & Sachs, 19776; Claro et al., 1995). Não existe evidência directa de que o BST tenha um papel similar no comportamento sexual humano, mas a demonstração de Zhou et al. (1995) de um padrão sexualmente dimórfico no tamanho do BSTc humano, o que está de acordo com a diferença sexual previamente descrita na parte mais caudal do BST (BNST-dspm) (Allen & Gorski, 1990), indica que este núcleo pode também estar envolvido nas funções sexual e reprodutiva humanas. Aliás, Simerly & Swanson (1987) e De Vries (1990) sugeriram que as diferenças de sexo neuroquímicas no BST da ratazana podem ser devidas aos efeitos das hormonas sexuais sobre o cérebro durante o desenvolvimento e na idade adulta.

Contudo, os dados humanos mencionados anteriormente indicam que o volume do BSTc não é afectado pelos níveis das hormonas sexuais adultas. O volume do BSTc de uma mulher com 46 anos que tinha sofrido, pelo menos durante um ano, um tumor do córtex adrenal que produz níveis sanguíneos muito elevados de androstenediona e de testosterona, estava dentro da média do das outras mulheres (S1). Além disso, duas mulheres pós-menopausa (com idades acima de 70 anos) tinham um BSTc de tamanho feminino completamente normal (M1, M2). Como todos os transexuais tinham sido tratados com estrogénios, o tamanho reduzido do BSTc poderia ser atribuído à presença de níveis elevados de estrogénios no sangue. Evidência contra esta suposição deriva do facto de que ambos os transexuais T2 e T3 mostravam um pequeno BSTc como as fêmeas, apesar de T2 ter parado de tomar estrogénios cerca de 15 meses antes de morrer, donde os seus níveis de prolactina serem também elevados, e de T3 ter parado o tratamento hormonal desde que um sarcoma foi descoberto cerca de três meses antes de morrer. Também um homem com 31 anos de idade que sofria de um tumor adrenal feminilizante que induz altos níveis sanguíneos de estrogénios, tinha, apesar disso, um BSTc verdadeiramente grande (S2).

Estes resultados poderiam ser explicados mediante a alegação de que o tamanho feminino do BSTc no grupo transexual era devido à falha de androgénios, dado todos eles terem sido orquidectomizados, excepto o T4. Por essa razão, Zhou et al. (1995) estudaram dois outros homens que tinham sido orquidectomizados por causa do cancro na próstata (um e três meses antes da morte: S4 e S3 respectivamente). Descobriu-se que o tamanho dos seus BSTc estava ao nível elevado da classificação dos machos normais. Apenas o tamanho do BSTc de um único transexual que não tinha sido orquidectomizado (T4) situava-se a meio dos valores dos transexuais. Não só cinco dos transexuais tinham sido orquidectomizados, como também todos usaram o «antiandrogen cyproterone acetate» (CPA). O efeito do CPA sobre o BSTc não se manifesta frequentemente, porque T6 não tinha tomado CPA nos últimos dez anos e T3 não tinha tomado CPA durante os dois anos antes de morrer e, no entanto, apresentava um BSTc de tamanho feminino.

Por conseguinte, as observações de Zhou et al. (1995) sugerem que o tamanho reduzido do BSTc nos transexuais macho-para-fêmea não pode ser explicado pelas diferenças nos níveis de hormonas sexuais na idade adulta, mas poderá ser estabelecido durante o desenvolvimento por uma acção organizadora das hormonas sexuais, de resto um ideia apoiada pelo facto de que a gonadectomia neonatal de ratazanas machos e a androgenização de ratazanas fêmeas induzirem mudanças significativas no número de neurónios do BST e suprimirem o seu dimorfismo sexual (Del Abril et al., 1987; Guillamón et al., 1988).

Considerado conjuntamente com a informação de animais, o estudo de Zhou et al. (1995) suporta, portanto, a hipótese de que as alterações da identidade de género podem desenvolver-se como resultado de uma interacção alterada entre o desenvolvimento do cérebro e as hormonas sexuais (Swaab & Hofman, 1995). A acção directa de factores genéticos deverá também ser levada em consideração a partir de experiências com animais (Pilgrim & Reisert, 1992). Também não foi descoberta nenhuma relação entre o tamanho do BSTc e a orientação sexual dos transexuais: cada um deles era macho-orientado (T1, T6), fêmea-orientado (T3, T2, T5) ou ambos (T4).

Além disso, o tamanho do BSTc dos homens heterossexuais e dos homens homossexuais não diferia, o que reforça o conceito de que o tamanho reduzido do BSTc é independente da orientação sexual. Também não havia diferença no tamanho do BSTc entre o subconjunto mais jovem (T2, T5, T6) e o subconjunto mais velho (T1, T3) dos transexuais, o que indica claramente que o tamanho reduzido do BSTc está relacionado com a alteração da identidade de género per si, e não com a idade em que se torna manifesto. De modo interessante, o reduzido BSTc nos transexuais parece ser uma diferença cerebral verdadeiramente local.

Lhou et al. (1995) não conseguiram observar mudanças similares em três outros núcleos do hipotálamo, nomeadamente nos PVN, SDN ou SCN nos mesmos indivíduos. Isto pode ser devido ao facto destes núcleos não se desenvolverem todos ao mesmo tempo ou a uma diferença entre estes núcleos e o BST em relação à presença de receptores das hormonas sexuais ou de aromatase.

Contudo, um outro estudo, levado a cabo por Wilson, Chung, De Vries & Swaab (2002), mostrou que a diferença sexual no volume do BSTc, a qual se torna significativa somente na idade adulta, se desenvolve muito mais tarde do que seria de esperar. A diferenciação sexual do BST da ratazana ocorre nas primeiras semanas depois do nascimento e requer diferenças perinatais nos níveis de testosterona (Del Abril et al., 1987; Chung et al., 2000). Nos seres humanos, os níveis de testosterona durante o desenvolvimento fetal e neonatal são muito mais elevados nos machos do que nas fêmeas (Abramivich & Rowe, 1973; Winter, 1978). Além disso, alterações dramáticas nos níveis de testosterona nos adultos não têm efeitos óbvios sobre o volume do BSTc tanto nos machos como nas fêmeas (Zhou et al., 1995; Kruijver et al., 2000). Por causa disso, supunha-se que o BST divergia precocemente entre machos e fêmeas durante o desenvolvimento. Além disso, a diferenciação sexual dos núcleos sexualmente dimórficos da área preóptica e de outras áreas do hipotálamo anterior humano ocorre entre os 4 e os 10 anos de idade (Swaab & Hofman, 1988; Swaab et al., 1994).

Assim, a diferenciação tardia do volume do BSTc nos machos e nas fêmeas poderá ser uma característica geral do BST humano. Este conceito é apoiado por diversos estudos. O BST-dspm parece tornar-se sexualmente dimórfico aproximadamente na puberdade, como é indicado pelos períodos de tempo de desenvolvimento que foram incluídos no estudo de Allen & Gorski (1990). Com efeito, o BST-dspm parece ser menor nas fêmeas do que nos machos a partir dos 14 anos de idade (Allen & Gorski, 1990). A diferenciação sexual relativamente tardia também foi observada no hipotálamo do porco. O número de células do núcleo sexualmente dimórfico contendo vasopressina e oxitocina do hipotálamo do porco aumenta nas fêmeas pós-adolescentes mas não nos machos (Van Eerdenburg & Swaab, 1994).

Estudos recentes também mostraram que diversas regiões no cérebro humano e primata adulto produzem continuamente novos neurónios e mudam no volume das matérias branca e cinzenta (Eriksson et al., 1998; Gould et al., 1999; Gur et al., 1999; Sowell et al., 1999). Além disso, mudanças morfológicas marcadas no cérebro humano, incluindo a diferenciação sexual, podem não estar limitadas à infância mas estender-se até à idade adulta.

Existem diversas explicações possíveis para a falha de uma diferença sexual no volume do BST logo após surgirem as diferenças sexuais fetais e neonatais nos níveis de testosterona. Os efeitos organizacionais da testosterona sobre a diferenciação sexual podem tornar-se claros mais tarde na vida. Um exemplo de uma longa demora nos efeitos organizacionais dos esteróides gonadais é o desenvolvimento do núcleo periventricular anteroventral (AVPv) sexualmente dimórfico no cérebro da ratazana, o qual é maior nas fêmeas do que nos machos. Apesar das diferenças sexuais perinatais na testosterona provocarem esta diferença sexual no tamanho do AVPv, o seu volume torna-se apenas significativamente diferente aproximadamente na puberdade (Davis et al., 1996). Alternativamente, é provável que as diferenças sexuais nos níveis de esteróides gonadais peripubertais ou adultos estabeleçam a diferença sexual no volume do BSTc na idade adulta. Embora os androgénios e os estrogénios na puberdade provoquem o desenvolvimento das características sexuais secundárias nas estruturas periféricas do corpo, não existem dados sobre efeitos similares sobre as estruturas do cérebro humano. Contudo, dados provenientes de seis casos relatados em estudos anteriores sugerem que o volume do BSTc, tal como delineado pela coloração imunocitoquímica de VIP ou somatostatina, não é afectado por aumentos ou diminuições acentuados nos níveis de esteróides gonadais na idade adulta. Assim, um tamanho feminino normal do BSTc foi descoberto numa fêmea controle com níveis de androgénios aumentados e em duas fêmeas controle pós-menopausa com baixos níveis de esteróides gonadais. Além disso, um tamanho masculino normal do BSTc foi descoberto num macho controlo com elevados níveis de estrogénios provocados por um tumor adrenal feminilizante e em dois machos controle que foram orquidectomizados como resultado de cancro da próstata. A possibilidade de que mudanças dependentes dos esteróides gonadais na expressão de VIP ou do neuropeptido somatostatina estejam na base das mudanças do volume do BSTc, tal como na área preóptica da codorniz (quail), na amígdala medial do rato e na amígdala humana (Panzica et al., 1987; Giedd et al., 1996; Cooke et al., 1999), não é apoiada por esses seis casos que revelam mudanças acentuadas nos níveis de esteróides gonadais, embora o volume do seu BSTc seja normal para o seu género (Zhou et al., 1995; Kruijver et al., 2000).

Além das acções directas dos esteróides gonadais sobre o BSTc, a emergência tardia de diferenças sexuais no volume do BSTc pode reflectir mudanças sexualmente dependentes relativamente tardias nas áreas do cérebro que abastecem o BST com a sua inervação VIP-IR, tais como a amígdala (Eiden et al., 1985), a qual aumenta de tamanho numa proporção maior nos machos do que nas fêmeas entre os 4 e os 18 anos de idade (Giedd et al., 1996). Embora as diferenças sexuais nos esteróides gonadais constituam o factor mais provável para desencadear a diferenciação sexual do BSTc e da áreas que inervam o BSTc, Chung et al. (2002) não excluem a acção de mecanismos independentes dos esteróides gonadais sobre a diferenciação sexual do cérebro, tais como uma expressão local de genes do sexo cromossómico (Reisert & Pilgrim, 1991). Um gene candidato para um tal efeito é o gene SRY, o qual foi revelado ser transcrito no hipotálamo humano adulto e no córtex dos machos mas não nos das fêmeas (Mayer et al., 1998).

Assim, tendo em consideração todos estes estudos, a nossa perspectiva sobre a relação entre o volume do BSTc e a sua diferenciação sexual tardia e a transexualidade torna-se mais segura. Com efeito, os transexuais recebem a sua primeira consulta entre as idades de 20 e 45 anos, as quais coincidem com o período de divergência sexualmente dependente do volume do BSTc descoberto nos estudos de Chung et al. (2002) e de Van Kesteren et al. (1996). No entanto, estudos epidemiológicos mostram que a consciência de problemas de género está geralmente presente muito precocemente. Com efeito, 67-78 % dos transexuais na idade adulta relatam terem tido fortes sentimentos de terem nascido num corpo errado desde a infância (Van Kesteren et al., 1996), o que apoia o conceito de que os distúrbios nos níveis de esteróides gonadais fetais ou neonatais estão na base do desenvolvimento da transexualidade. Além disso, as observações de que o uso de fenobarbital (phenobarbital) ou difantoin (diphantoin) durante a gravidez, os quais afectam os níveis dos esteróides gonadais, aumenta a prevalência de transexualidade nos recém-nascidos, suportam este conceito (Dessens et al., 1999).

Assim, as raparigas que foram expostas a níveis elevados de androgénios enquanto crianças por causa da hiperplasia adrenal congénita revelam uma elevada incidência de problemas de género, o que fornece suporte empírico para o conceito de uma programação de desenvolvimento precoce desta desordem (Meyer-Bahlburg et al., 1996; Zucker et al., 1996). A falha da diferenciação sexual acentuada do volume do BSTc no estudo de Chung et al. (2002) antes do nascimento e na infância não impede certamente os efeitos precoces dos esteróides gonadais sobre as funções do BSTc. Tal como sugerem as experiências com animais de laboratório, os níveis de testosterona fetais ou neonatais nos seres humanos devem primeiramente afectar a densidade sináptica, a actividade neuronal ou o conteúdo neuroquímico durante o desenvolvimento precoce do BSTc (Döhler, 1991; Park et al., 1997). As mudanças nestes parâmetros devem afectar o desenvolvimento da identidade de género, sem implicar imediatamente mudanças abertas no volume ou no número de neurónios do BSTc. Alternativamente, é necessário levar em conta que as mudanças no volume do BSTc nos transexuais macho-para-fêmea podem ser o resultado de uma incapacidade para desenvolver uma identidade de género tipicamente masculina. As descobertas de Chung et al. (2002) de uma diferença sexual no volume do BSTc somente visível na idade adulta sugerem que as mudanças organizacionais sexualmente dependentes da estrutura do cérebro não se limitam ao desenvolvimento precoce mas estendem-se até à idade adulta.

A evidência empírica disponível suporta o conceito de que a região central do BST está associada à identidade de género: o sentimento de ser macho ou fêmea. Este núcleo sexualmente dimórfico é maior nos machos do que nas fêmeas, independentemente das suas orientações sexuais. Contudo, o seu tamanho reduzido nos transexuais macho-para-fêmea, semelhante ao das mulheres, indica claramente essa associação à identidade de género. Ele pode constituir a base neural das perturbações de identidade de género. A transexualidade é precisamente o sentimento de desconforto com o próprio sexo biológico ou com o papel de género correspondente.

Carol Ringo & Peter Ringo (2002) mostraram que os mass media podem desempenhar um papel fundamental e positivo no desenvolvimento da identidade transexual e na identidade transgender. Machos heterossexuais e homossexuais partilham assim o mesmo sentimento íntimo de si mesmos como homens. Designaremos o transexualismo como uma «two-spirit syndrome» ou síndrome transexual, cujos pacientes devem ser alvo de cuidados médicos e de acompanhamento psiquiátrico adequado.

Em fase dos resultados expostos, conjecturamos que a própria existência da transexualidade advoga fortemente a favor do conceito de que a identidade sexual ou de género não é necessária e exclusivamente determinada por experiências de vida. A maioria dos transexuais pertencentes ao grupo primário simplesmente não possui histórias de experiências traumatizantes, relacionamentos ou doenças que pudessem explicar um tão radical afastamento da convencionalidade. E os transexuais não são destituídos de capacidades intelectuais, já que, pelo menos, um grande número deles conseguem persuadir um cirurgião a remover-lhes o pénis. Dado que já conhecemos um dos marcadores biológicos da transexualidade, o núcleo sexualmente dimórfico, começamos a compreender os mecanismos de desenvolvimento subjacentes à identidade sexual. Neste momento, o tamanho reduzido do BSTc dos transexuais, bem como a ausência de diferença sexual entre homens heterossexuais e homossexuais, não permite a sua inclusão numa classificação das homossexualidades.

Apesar de os ter incluído na sua tipologia dos travestismos masculinos, onde integra erroneamente a homossexualidade efeminada, Robert J. Stoller (1982) acaba por reconhecer que não existem semelhanças significativas entre os dois grupos, a não ser o uso ocasional de roupas femininas por parte de uma minoria de homossexuais efeminados: os transexuais primários e os homossexuais efeminados. As diferenças entre eles são abismais: o transexual não é efeminado como o homossexual efeminado mas simplesmente feminino. Por outro lado, o homossexual efeminado sabe que prefere homens como objectos sexuais, aprecia virtualmente ter um pénis, não deseja perdê-lo, usa-o sempre que possível em todos os tipos de situações sexuais e aprecia relações sexuais com homens que, em troca, demonstrem interesse pelo seu pénis. Ora, cada um destes indicadores comportamentais, sobretudo o último, constituem um anátema para os transexuais primários.

Além disso, os homossexuais efeminados, sobretudo os do tipo maricas, que têm grande propensão para o travestismo, acabam, por diversas razões, por se prostituir, sendo posteriormente levados a submeter-se à cirurgia da mudança de sexo. Este grupo constitui aquilo a que chamámos os transexuais secundários, a maior parte deles oriundos, pelo menos em Portugal e no Brasil, das classes sociais desfavorecidas, onde a instrução e a educação são mínimas, e, geralmente, propensos à prostituição, estilo de vida sexualmente promíscuo e abuso de drogas (Inciardi et al., 1999), além de problemas de saúde graves (Gooren, 1999). No entanto, não é de excluir a possibilidade de muitos daqueles indivíduos que classificámos como homossexuais hiperefeminados sejam realmente transexuais genéticos.

Embora a nossa pesquisa de terreno tenha incidido sobretudo sobre os homossexuais masculinos e femininos, no seu decorrer confrontamo-nos com alguns casos de transexualismo. Destes casos apenas dois parecem ser verdadeiramente transsexuais: um transexual macho-para-fêmea homossexual e outro transexual fêmea-para-macho homossexual. Os restantes são claramente casos de pseudo-transexualismo: indivíduos do sexo masculino cuja orientação sexual era homossexual e que, devido a diversas pressões e a uma história de vida altamente estigmatizante, se submeteram a diversos tratamentos, nalguns casos à mudança de sexo, para se converterem em «fêmeas». Os machos homossexuais que se transformam em transexuais seguem geralmente o seguinte padrão: embora a maior parte deles tenda a ser do tipo efeminado, quer sejam efeminados ou masculinizados, eles começam por ser travestis e, a partir desse momento, são alvo da crítica homossexual. Segregados da comunidade homossexual dominante, eles continuam a frequentar os «meios homossexuais», ao mesmo tempo que, como grupo, se dedicam à prostituição. A dinâmica de grupo, bem como o seu estilo de vida, leva-os a querer mudar de sexo: além de se vestirem e de se comportarem como «mulheres», uns fazem tratamentos hormonais e outros, mais arrojados, submetem-se a cirurgia de mudança de sexo. Compreende-se que um «cérebro feminino prisioneiro num corpo masculino» queira ter um corpo conforme ao seu cérebro, mas o mesmo já não pode ser dito dos machos homossexuais que não apresentam nenhuma disfunção sexual aparente. O seu cérebro até pode ser feminino nalgumas características sexualmente dimórficas, mas os seus órgãos sexuais funcionam e são usados como fonte de prazer sexual. A prova está num dos casos: um indivíduo que, antes do travestismo e do transexualismo, se casou heterossexualmente e teve um filho! Seja como for, os estudos revelam que os machos homossexuais, tal como os machos heterossexuais, têm uma identidade de género adequada ao sexo: a via de desenvolvimento masculino é, também neste sentido, semelhante entre os homens homossexuais e heterossexuais.

Hoje, dado já conhecermos alguns genes associados ao transexualismo (Henningsson et al., 2005), o estudo destes indivíduos pode vir a facilitar a nossa compreensão da orientação sexual, especialmente da homossexualidade, recorrendo igualmente a outros modelos animais, nomeadamente o do carneiro (Roselli et al., 2002). A pesquisa genética (Henningsson et al., 2005) confirmou a existência de 3 polimorfismos associados ao transexualismo: o gene receptor dos androgénios, o gene da aromatase e, sobretudo, o gene receptor dos estrogénios (Erbeta). Daqui resulta que esta categoria sexual não pode ser integrada no âmbito da homossexualidade masculina.
J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 18 de março de 2008

Prós e Contras: A Confiança dos Portugueses

Mais um programa "Prós e Contras" (17 de Março de 2008) dedicado à economia. O «maior debate da televisão portuguesa» reuniu "mais do mesmo": Manuel Pinho, o ministro da economia, Fernando Ulrich, presidente executivo do BPI, António Mexia, presidente-executivo da EDP, Carlos Martins, presidente da Martifer, António Nogueira Leite, administrador do grupo CUF, e, na plateia, «um grupo alargado de gestores e de responsáveis de diferentes áreas de negócio», bem como os embaixadores do Reino Unido e de Espanha.
Partindo do pressuposto errado de que «a economia constitui o miolo da política», Fátima Campos colocou três questões: Está Portugal a criar a riqueza que necessita? Quem e como gera valor no país? Qual o nível de confiança nos negócios nacionais? Contudo, a questão orientadora foi outra: Está a economia portuguesa preparada para fazer face à actual crise financeira? O ministro da economia apresentou os resultados económicos positivos e, efectivamente, todos foram unânimes em reconhecer que, com este governo de José Sócrates, a economia começou a mostrar sinais de crescimento, com as exportações a subirem e o défice a ser controlado. Os gestores e responsáveis de diferentes áreas de negócio foram «optimistas», relatando o sucesso global das empresas portuguesas num mundo cada vez mais global, competitivo e inovador. O mundo do negócio português está muito confiante e, dado que exportamos chapéus para os USA, em especial para o presidente Bush, partilho moderadamente esta confiança empresarial (tese 1). Se não acreditasse em Portugal e nos portugueses, não me dava ao trabalho de criticar a nossa situação. (Já falei das duas cidadanias e dos dois países noutros posts.)
Deste debate retive uma outra leitura de fundo, ligeiramente ironizada por António Mexia e compreende-se a razão: Os governos do PSD, sozinho ou em coligação com o CDS, em especial os dois últimos (Durão Barroso e Santana Lopes), são os principais responsáveis pela situação nacional de pobreza, de atraso e de corrupção, e Miguel Cadilhe chegou mesmo a responsabilizar um dos governos de Cavaco Silva pelo défice, aquele que o actual governo socialista conseguiu controlar (tese 2).
Isto já todos sabíamos e convém relembrá-lo constantemente, mas o ministro da economia destacou um factor particular que nos afasta da média europeia: aquilo a que chamo o Estado Gordo e o seu funcionalismo público privilegiado e não-avaliado (tese 3). O Estado português e o seu vastíssimo corpo de funcionários tal como os conhecemos constituem a principal razão da nossa miséria nacional e, segundo penso com clareza, da corrupção nacional, porque, ao contrário do que se pensa, os funcionários públicos (em sentido lato, incluindo as elites dirigentes) não concentram os melhores e mais excelentes quadros nacionais; pelo contrário, são cidadãos "privilegiados" que nunca foram dignamente avaliados e que, neste momento de mudança qualitativa, se aliam aos sindicatos «comunistas» para garantir injustamente as suas regalias, o seu padrão de vida fácil, a sua arbitrariedade e incompetência e a sua reforma, fugindo à avaliação. Eles são os coveiros de Portugal: fruto da má governação, fomentam a corrupção e a degradação da democracia, da liberdade, da justiça e da igualdade em Portugal.
Esta leitura de fundo que faço do debate tem implicações em todas as políticas em curso (tese 4). Lisboa como capital concentra o maior número de elementos deste funcionalismo público. Se este governo deseja emagrecer o Estado para que o nosso crescimento económico alcance a média europeia, criando empregos bem remunerados, então deve "descentralizar", não só o poder político, mas também os investimentos. Assim, por exemplo, embora o Algarve constitua um destino turístico privilegiado, as campanhas de promoção do turismo português e da marca "made in Portugal" devem ser mais diversificadas, até porque os turistas do Japão, da China, da Índia, dos USA ou mesmo da Europa, não visitam Portugal para fazer (somente) praia ou golfe, mas para «saborear» a nossa cultura e o nosso património histórico ou mesmo «natural». Aquilo que fez a Espanha ou mesmo a Itália deve ser feito por Portugal: promover o seu património de Norte a Sul no mundo, portanto, reordenar o território, sem ser tentado a reduzir tudo a Lisboa e ao Algarve. Além disso, existem outras formas de turismo, em especial o turismo verde e o turismo paisagístico. O Douro e outras regiões (Gerês) deviam ser mais exploradas nesse sentido: viajar pelo Douro relaxa muito mais do que fazer praia no Algarve, sobretudo à noite!
Infelizmente, se os cursos de economia, de direito e de engenharia souberam garantir qualidade, de resto reconhecida internacionalmente, dado muitos portugueses emigrarem para outros países europeus, onde desempenham cargos de responsabilidade e de decisão, os cursos de Letras, Humanidades e de Ciências Sociais e Humanas constituem o lixo das Universidades portuguesas, devido à corrupção que invadiu as Universidades, com a preciosa ajuda de más políticas, da pressão católica e do sistema partidário. Tenho defendido desinteressadamente a Filosofia, mas sei bem que a maior parte dos professores de «filosofia» são destituídos de conhecimentos e de competências, e o mesmo pode ser dito de tantos outros cursos. Reconheço esta verdade triste, mas devo confessar que desenvolvi uma certa lusophobia ao longo da vida, não por ter medo mas por ter muita vergonha e nojo desses portugueses "diplomados", medíocres, invejosos, pouco inteligentes e corruptos maldosos. Portanto, devemos dizer que os maus professores não estão todos no ensino pré-universitário, mas também no ensino universitário. Sem alterar este sistema de favores e de cunhas, a reforma do ensino será sempre incompleta e eternamente adiada. A cultura superior simplesmente não existe em Portugal e os empresários pouco ajudam na sua criação (tese 5). Daí que seja uma seca dialogar com os membros das "elites nacionais" tão admiradas e promovidas por Fátima Campos. O emagrecimento do Estado deve ser feito de modo a melhorar o seu papel regulador na economia, o «motor da sociedade», não consentindo que as empresas aumentem as suas mais-valias à custa dos trabalhadores (tese 6). Os empresários portugueses também devem investir na "cultura viva" e não apenas na "cultura morta", até porque esse seria um caminho para aprenderem a fazer negócios em sintonia com o espírito que tem movido a Cultura Ocidental.
Anexo: Neste debate, como noutros, tem sido repetida constantemente uma in-verdade, ou melhor, uma terrível mentira: As Universidades Portuguesas e outras instituições do género não seleccionam os "MELHORES" alunos, mas aqueles que têm CUNHAS e/ou FILIAÇÕES religiosas, familiares ou partidárias adequadas. É o sistema de corrupção nacional em funcionamento normal. Tendo em conta esta terrível verdade nacional, o optimismo exibido pode ser lido em chave metabolicamente reduzida. Trata-se de realismo político. (Veja este post Catedráticos da Merda.)
J Francisco Saraiva de Sousa