quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Géza Róheim: Antropologia Psicanalítica

Géza Róheim (1891-1953) foi efectivamente o primeiro antropólogo psicanalista e estou a lembrá-lo para condenar novamente o marasmo intelectual português, que, como sempre, deixa a cultura passar-lhe ao lado, sem reconhecer a sua mediocridade falaciosa e a sua incapacidade cognitiva congénita. Até mesmo os mestres da Escola de Frankfurt, com excepção de Herbert Marcuse, ignoraram a sua obra extensa e profunda.
Marcuse cita uma das suas obras, «The Origin and Function of Culture» (1945), onde Róheim, influenciado pelas ideias de Melanie Klein e divergindo claramente de Freud, atribui uma importância fundamental, traumatizante, à separação da criança da mãe, mais do que à fantasia do assassínio do pai, desenvolvendo o seu conceito de sublimação e destacando a importância das fantasias arcaicas referentes ao corpo materno no desenvolvimento da agricultura ou do comércio.
Contudo, é na sua obra «Psychoanalysis and Anthropology» (1953) que Róheim desenvolve a sua noção de cultura, trabalhada na sua diferença quer contra a noção filogenética de cultura proposta por Freud em «Totem e Tabu», quer contra a noção de cultura proposta pela antropologia culturalista. Em termos simples, podemos dizer que, para Róheim, a cultura humana é a consequência da infância prolongada da espécie humana, e que as áreas culturais decorrem da situação infantil típica que reina em cada uma das culturas humanas.
Róheim afirma constantemente a unidade do género humano ou, como prefere dizer, «a unidade fundamental da humanidade», a qual só pode ser clarificada à luz deste enunciado simples que transcende as teses defendidas escola culturalista e as hipóteses biológicas da hereditariedade dos caracteres adquiridos (indefensável à luz dos actuais conhecimentos da genética) e a lei da recapitulação de Haeckel (não válida para o género humano) propostas por Freud para explicar essa unidade humana: Para Róheim, o traço indiscutivelmente comum da humanidade «é a sua infância prolongada e o carácter globalmente juvenil do Homo sapiens em relação às outras espécies animais». Eis o «resumo do resumo» apresentado pelo próprio Róheim:
1. A evolução está baseada sobre uma combinação de factores autogéneos e ectogéneos.
2. Os factores autogéneos são principalmente a fetalização e o conflito endopsíquico (super-eu e ideal do eu).
3. Em relação ao prolongamento da nossa duração de vida, e particularmente da nossa infância, nós conservámos a taxa de crescimento fetal do nosso cérebro. O cérebro continua a desenvolver-se na situação mãe-infante protegida, isto é, libidinal.
4. Por outro lado, em relação ao ritmo de crescimento do nosso corpo, a nossa sexualidade é relativamente precoce. Associando este facto ao crescimento fetal do nosso cérebro, obtemos a explicação da natureza libidinal do fantasma.
5. Os mecanismos de defesa desenvolvem-se para proteger o eu contra a libido prematura.
6. Os seres humanos são permanentemente juvenis, pelo menos em parte. A fragilidade da nossa infância relativamente prolongada é compensada pela identificação da criança com o adulto, isto é, pelo condicionamento ou pela educação.
7. A existência do simbolismo e de certos traços humanos universais é devida a esta neotenia universal do género humano: eles são endógenos e não são condicionados pela cultura. Para Róheim, a interpretação psicanalítica não releva, portanto, da cultura: os seus métodos têm uma validade universal. Podem existir diversos tipos de personalidade, mas existe somente um inconsciente. Daí que Róheim tenha afirmado contra as teses de B. Malinowsky a existência de uma estrutura edipiana universal.
8. O conceito de personalidade de base, isto é, de uma personalidade fundada sobre uma situação infantil comum, é válido apenas quando aplicado a pequenos grupos, mas a sua validade é duvidosa quando aplicado às nações modernas, como fez Ruth Benedict. Daí que a antropologia cultural moderna só tome em consideração as nações, negando tacitamente a unidade fundamental do género humano e o carácter único do indivíduo.
Estas breves observações são suficientes para mostrar a actualidade de uma obra ignorada pelos luso-intelectuais, talvez por má-fé ou, como penso, pela sua imbecilidade congénita e muito invejosa, pouco dada ao exercício do pensamento conceptual e ao esforço intelectual.
J Francisco Saraiva de Sousa

9 comentários:

E. A. disse...

Eu adoro as suas introduções e/ou conclusões. :)
Obrigada por mais umas migalhinhas do seu saber. Eu nem sequer sou "luso-intelectual" por isso o meu caso e dos restantes cidadãos portugueses (quase todos) deverá ser ainda mais crítico.
Não fiquei com a herança da inveja, mas fiquei certamente com grandes doses de imbecilidade, acrescida à infantilidade prolongada. Uma imbecilidade harmoniosa, contudo. :)))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá
Está a brincar comigo! :)
Gosto do Róheim e infelizmente é mais outro desconhecido em Portugal. Nenhuma das suas obras foi traduzida para português. Mas sabe que adoro atacar as figuras nacionais pardacentas. :)

E. A. disse...

Eu gosto muito de brincar.
Deve-se à teoria do Róheim e à sua crença na infantilidade do ser humano. O nosso negócio com o Diabo foi vender a alma pelo conhecimento. E vender a alma, significa que ela fica presa aos primeiros anos de vida, à infância, e a projecção dela mesma que é toda a vida adulta, "madura". A nossa alma, a infância, aparece-nos como um fantasma, para sempre, até ao último dia.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, é bom ser juvenil durante toda a vida.
Hoje estou com impulsos anti-blogosféricos e estava a pensar em aplicar a teoria de Róheim ao estudo dos bloguistas tugas. O seu estudo sobre xamanismo ajuda a compreender estas criaturas virtuais, muito malvadas e falsamente competitivas. Tenho aprendido muitos truques tugas e. afinal, tanta maldade e inveja não se justificam. Concursos: o melhor blog português!? Já viu os candidatos? Não vale a pena blogar quando não se tem uma agenda própria! Notícias chegam as da mediasfera! Falta-lhes juventude e inteligência sofisticada! Muito lambe-rabos! :)

E. A. disse...

Ahahah... :D O Francisco fala, mas adoraria ser um dos nomeados. (Não faço ideia quais são, nem quero saber - não os visito).

Não sei se entendeu o alcance do meu comentário. Ser determinado pela infância não é necessariamente bom. É inevitável. Cabe a cada um fazer disso o melhor para si e para os outros.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Róheim diz literalmente que "uma neurose isola, uma sublimação une2.
na sua concepção da cultura como sublimação, diz que a mais importante das substituições é um ser humano: a mulher que se torna mãe. A cultura cria substitutos... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não concorri. Não tenho tempo nem disposição para bajular ou procurar audiência. Basta Pacheco Pereira e outros!
Devereux chama a isso puerilização (sic, termo complicado), opondo o pueril (mau sintoma) ao infantil.

E. A. disse...

Sim, isso traduz o que quereria dizer. Mas mesmo a cultura às vezes não é o bastante. Por isso, há necessidade de regressão, de um devir-criança, como fala Deleuze, que não é necessariamente mau (no sentido de patológico), como o entendia Freud.

Tenho que ir, é sempre um prazer lê-lo Sr. Francisco, o justiceiro virtual da Filosofia! :))))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas estou bem classificado nas audiências e disperso por diversos sites internacionais. Chega-me isso. Não escrevo para audiências fáceis! :( ou :)?