sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A Questão Colonial Revisitada

O autor do blogue «Navegador Solitário» reagiu à polémica do colonialismo com este excelente post SOBRE OS RACISMOS - PARTE 2 . Esta deveria ser a minha tréplica, mas ainda não é. Antes de abordar o tema do racismo, prefiro tratar da questão colonial, tal como formulada no meu post anterior.
O colonialismo é um conceito sobrecarregado ideologicamente, o que à partida distorce a sua compreensão, funcionando actualmente numa era pós-colonial para justificar a má-governação dos países libertados, como se os europeus fossem responsáveis pela destruição das suas ex-colónias. Aliás, este discurso alimenta um anti-ocidentalismo racionalmente indefensável. Mas, antes de tratar deste assunto, é melhor afinar alguns conceitos históricos.

O colonialismo é um termo usado para designar «a ocupação, pela força e a longo prazo, por parte de um país metropolitano, de qualquer território fora da Europa ou dos Estados Unidos». Esta é uma definição consensual, pelo menos no âmbito das «ciências sociais», embora possa ser questionada no que diz respeito aos meios usados pelas forças de «ocupação». Assim, por exemplo, Macau e Timor não parecem, tanto quanto sei, ter sido ocupados pela força das armas. E o que dizer de São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde que não eram habitados quando foram descobertos pelos portugueses! Isto significa que podemos distinguir tipos diferenciados de colonialismo, usando apenas o critério dos meios da ocupação. Apesar disso, iremos trabalhar com este conceito consensual e, repare-se, ele não faz qualquer referência ao «racismo», de resto uma noção ideológica, portanto, não-científica.

A História mostra facilmente que a «conquista territorial» atravessa toda a história da humanidade, «onde quer que tenha havido povos acima de um nível mínimo de sofisticação». Coube aos europeus levar mais longe esta prática e «tomar conta do mundo». Grã-Bretanha, Portugal, Espanha, Holanda, França, Itália, Bélgica e Rússia foram algumas das potências ocidentais que tiveram os seus «impérios coloniais» e a competição pelas colónias causou muitas guerras nos séculos XVII e XVIII. No século XIX, a maior parte do Novo Mundo já estava liberta do domínio colonial. A Segunda Guerra Mundial representou um golpe fatal para o colonialismo e as potências ocidentais, com excepção de Portugal, Holanda e França, optaram pela descolonização, fortemente apoiada pelos Estados Unidos, interessados em abrir o mercado mundial aos seus produtos industriais. Muitos desses novos países conheceram outra forma de colonialismo, o neocolonialismo, que sujeitava os mais «fracos» aos mais «fortes» através de relações económicas desiguais.

Uma das teorias que procura explicar o colonialismo foi elaborada por Lenine durante a Primeira Guerra Mundial. Baseado nos estudos de J.A. Hobson (economista liberal inglês) e de Rudolf Hilferding (economista austríaco), Lenine escreveu «O Imperialismo: Fase Final do Capitalismo». Nesta fase tardia do capitalismo, chamada imperialismo, o controle do capital estava cada vez mais concentrado em poucas mãos, o que implicava muito pouco poder de compra no mercado interno para os bens que podiam ser produzidos. Esta baixa do consumo fez com que o capital começasse a ser exportado, em vez de ser investido no seu próprio país, para regiões subdesenvolvidas, que podiam ter valiosas matérias-primas. Mas o capital precisava da protecção de um governo colonial. Daí o colonialismo... Existem muitas outras teorias, umas mais genéricas, outras mais específicas, mas todas elas privilegiam os «motivos económicos» do colonialismo.
Embora reclamem o marxismo, os líderes dos movimentos nacionalistas e de libertação parecem nunca ter lido a obra de Karl Marx na íntegra. As elites afro-asiáticas condenaram severamente o facto dos regimes coloniais recorrerem aos «chefes tribais», pelo menos no continente africano, para administrarem as suas colónias. Elas desejavam a modernização. Porém, a posição de Marx era muito diferente. Embora denunciasse a ganância que movia a «tomada das colónias», Marx via na colonização «um choque necessário, ainda que doloroso, às sociedades mergulhadas durante tanto tempo num absoluto torpor», capaz de as conduzir à via do desenvolvimento material e cultural.
A teoria da dependência, estranhamente oriunda do marxismo, afirma que os países afro-asiáticos se tornaram mais «atrasados» e pobres quando foram reduzidos a colónias. Isto significa que a Europa conseguiu concentrar o capital, industrializar-se e forjar o seu «progresso» através do saque das suas colónias. Contudo, esta teoria pouco marxista ainda não explicou o facto do abismo entre países avançados e países atrasados ter sido ampliado após a descolonização. Este abismo cada vez mais evidente na nossa era da globalização entre pobres e ricos levanta uma grande suspeita sobre a tese segundo a qual os países ricos beneficiam com a exploração dos países pobres. Os «impérios coloniais» foram considerados vitais para a prosperidade das potências europeias. No entanto, apesar de os ter perdido, a Europa está mais próspera do que nunca.
Esta evidência obriga-nos a repensar as velhas teorias do colonialismo, da descolonização e do neocolonialismo, denunciando as ideologias oportunistas que as moveu, e, sobretudo, a pensar na situação de miséria agravada vivida actualmente nas antigas colónias europeias, tornadas Estados Nacionais e governadas pelas suas elites nativas. As colónias tornadas independentes e entregues a si mesmas regrediram em todos os planos, a ponto de terem apagado os efeitos positivos do colonialismo, aqueles formulados por Marx. O princípio da justiça imparcial e a supremacia impessoal da lei introduzidos pelas administrações coloniais não funcionam. Os advogados profissionais, capazes de assumir a defesa de processos contra os governos locais, desapareceram do cenário. As infra-estruturas coloniais de estradas, aeroportos, redes ferroviárias e meios de comunicação, construídas pelas potências ocidentais, para sustentar o seu desenvolvimento económico, foram destruídas nalguns casos e noutros estão degradadas. Os sistemas de saúde e de ensino não funcionam nada bem: surgem epidemias preocupantes e o analfabetismo aumenta de forma alarmante. Mais exemplos? Basta comparar duas fotografias de uma mesma cidade tiradas em épocas diferentes: uma na época colonial, a outra na época pós-colonial. A diferença salta à vista e o seu sinal aponta claramente no sentido da regressão. No entanto, os líderes destes países mostram sinais de anti-ocidentalismo preocupantes, como se os ocidentais que já não os governam há décadas fossem responsáveis pela sua própria governação. E não adianta recorrer ao discurso do racismo, a menos que os não-brancos tenham um conceito positivo de racismo, de resto estranho à alma ocidental que os conduziu às portas da Civilização.
J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

AGRY disse...

Não é historicamente possível dissociar o subdesenvolvimento de África do crescente desenvolvimento do capitalismo mundial.
Em nome da verdade e da coerência, não podemos ignorar a presença das antigas potências colonizadoras em África. O saque das riquezas do continente não sofreu qualquer interrupção. A estratégia, essa sim é que mudou um pouco
Abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O capitalismo, independentemente da sua forma, é um sistema económico explorador. Marx demonstrou-o. Mas não temos alternativa económica. Por isso, procuro novos caminhos de liberdade e de justiça num mundo condenado a ser capitalista. Contudo, a riqueza da Europa deve ser encontrada nas suas próprias ccontradições internas e não externas: a ascensão do capitalismo deve-se a razões internas e não externas. E há outro problema: os próprios impasses africanos...
Abraço