sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Marx e a Democracia Social

«Pensei que ser dotado de talento seria a maior protecção contra a miséria». Jean-Jacques Rousseau
Os meus amigos virtuais do Brasil, em particular da Baía (Salvador), pediram-me, via e-mail, que fornecesse mais indicações teóricas sobre as ligações entre marxismo e democracia, a propósito dos textos que tenho editado sobre Marx. Como dizia Hannah Arendt, todo o universo intelectual tal como o conhecemos seria impossível sem Marx. Isto significa que todos, sejamos ou não marxistas, somos herdeiros do seu pensamento revolucionário e inaugural. Sem o génio de Marx seríamos uma sociedade completamente diferente daquela que conhecemos e, segundo suspeito, muito mais miserável e pobre. A prova disso está no facto de que, desde a queda do Muro de Berlim, a democracia ocidental entrou em degenerescência e o capitalismo mostra-se pouco condescendente com a miséria que produz. Esta degradação da vida social e cultural nos países ocidentais coloca novamente a revolução ou a ditadura na ordem do dia e isto é deveras preocupante.
Fico satisfeito em saber que os meus blogues são lidos atentamente por intelectuais brasileiros, aos quais quero mostrar a minha gratidão. De facto, sem o vosso contributo cultural, a língua portuguesa seria infinitamente mais pobre e fechada em si mesma. Porquê? Porque a vossa actividade editorial foi sempre mais vasta e ousada e, graças a essa curiosidade imensa, aqui em Portugal tivemos a oportunidade de ler algumas das maiores obras internacionais traduzidas em língua portuguesa.
Quanto à questão que me colocam, basta meditar na frase de Rousseau que aparece aqui em epigrafe. Se lerem «A Questão Judaica» de Marx (1843, 1944) e a crítica pertinente que faz dos Direitos Humanos, concluem necessariamente que Marx, mesmo o da maturidade, sempre permaneceu fiel, em substância à sua crítica juvenil, drástica e radical da revolução burguesa, ou seja, da revolução francesa.
Como lembra Galvano Della Volpe: a liberdade e a democracia modernas têm duas faces e duas almas. Há, por um lado, a liberdade civil ou política, fundada pela democracia parlamentar ou política e teorizada por Locke, Montesquieu, Kant, Humboldt e Constant. Há, por outro lado, a liberdade igualitária ou social, fundada pelo socialismo ou social-democracia e teorizada originalmente por Rousseau e, mais tarde, por Marx, Engels e Lenine.
Segundo Della Volpe, «o contraste entre as duas almas da democracia, das duas interpretações modernas da democracia, significa, em termos políticos, o contraste entre liberalismo, que é um sistema político de liberdade sem igualdade ou justiça social, e o socialismo, que é um sistema político de liberdade com justiça social (isto é, justiça para todos) e que constitui, portanto, a liberdade igualitária no seu desenvolvimento».
Libertos do modelo soviético do socialismo, os intelectuais de esquerda podem agora reler Marx e os marxistas, reavaliando as suas obras à luz da actual conjunta política nacional e internacional. As desigualdades sociais gritantes e o aumento da pobreza neste nosso mundo global precisam de voz, da voz dos intelectuais. Contra o capitalismo global selvagem, é necessário retomar a luta pela liberdade social, estando sempre alerta em relação à liberdade política.
A liberdade social «significa o direito de qualquer ser humano ao reconhecimento social das suas capacidades e potencialidades pessoais; é, numa palavra, a aplicação genuína e absolutamente democrática ao trabalho do critério do mérito (e, por conseguinte, da justiça); por outras palavras, é o reconhecimento da potencialidade social do indivíduo humano in genere, enquanto pessoa. A liberdade social, portanto, é mais que a simples liberdade, porque é também justiça social; constitui, de facto, uma espécie de libertas maior, na medida em que é a liberdade das massas» (Della Volpe).
O protesto de Rousseau foi adoptado por Engels, que defendeu «um sistema (social) que assegure a todo o homem a possibilidade de desenvolver todas as suas capacidades físicas e morais». De facto, Marx nunca criticou a democracia parlamentar e a revolução política da burguesia; apenas a quis completar e aprofundar com a «revolução social»: democracia social para todos, democracia real, as mesmas oportunidades para todos.
J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

Helena Antunes disse...

"Sem o génio de Marx seríamos uma sociedade completamente diferente daquela que conhecemos e, segundo suspeito, muito mais miserável e pobre. A prova disso está no facto de que, desde a queda do Muro de Berlim, a democracia ocidental entrou em degenerescência e o capitalismo mostra-se pouco condescendente com a miséria que produz. Esta degradação da vida social e cultural nos países ocidentais coloca novamente a revolução ou a ditadura na ordem do dia e isto é deveras preocupante."

Estou de acordo consigo, Francisco. Por muito cruel que possa ser, uma revolução ou uma ditadura poderão estar aí à porta.
Karl Marx juntamente com Emile Durkeim e Max Weber (considerados os clássicos da Sociologia) acompanharam-me ao longo de toda a minha licenciatura. E confesso-lhe que sempre detestei Marx, já não podia ouvir falar nele sempre que os meus professores o evocavam. Mas hoje, cada vez mais lhe tenho dado importância e conseguido encontrar virtudes nas suas teorias e estudos e, sobretudo, tenho encontrado uma praticabilidade das suas teorias no mundo real.
Antes tarde que nunca!!!

Também aqui não poderia estar mais de acordo com as suas palavras.
"...reler Marx e os marxistas, reavaliando as suas obras à luz da actual conjunta política nacional e internacional. As desigualdades sociais gritantes e o aumento da pobreza neste nosso mundo global precisam de voz, da voz dos intelectuais. Contra o capitalismo global selvagem, é necessário retomar a luta pela liberdade social, estando sempre alerta em relação à liberdade política. "

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Afinal, o marxismo não é um «lobo mau», mas uma teoria reflexiva que ajuda a melhorar a vida e o mundo, passo a passo, sem hipotecar o futuro.
Abraço