quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Filosofia, Sofrimento e Esperança

CONTRA OS RELATIVISMOS CONTEMPORÂNEOS


1. JOGOS DE LINGUAGEM. A teoria, ou melhor, a narrativa dos jogos da linguagem de Richard Rorty
[1], bem como a sua concepção da história intelectual como história de metáforas tornadas literais e habituais[2], é, apesar das suas intenções, avessa à conversação e ao diálogo. Se os jogos da linguagem são incomensuráveis e se não há, portanto, uma meta-linguagem susceptível de mostrar a veracidade de um e a falsidade dos outros, o consenso não pode ser obtido mediante a conversação. Esta e o consenso que poderia resultar dela cedem o seu lugar ao choque de jogos da linguagem, todos eles contingentes. A disputa e a vitória de um deles ocorre através do recurso à força e ao poder ou à endoutrinação. Não é por acaso que o relativista mais inteligente da história da filosofia, Paul Feyerabend[3], lamente que, no processo de Galileu, a Inquisição não tenha usado todo o seu poder para «proteger as pessoas das maquinações dos especialistas». «A revisão da sentença poderá valer à Igreja algumas amizades entre os cientistas, mas comprometerá severamente a sua função de zeladora de importantes valores humanos e mais do que humanos»[4]. «É pena que a Igreja dos nossos dias, assustada com os uivos generalizados dos lobos da ciência, prefira fazer coro com eles em vez de tentar ensinar-lhes boas maneiras»[5]. O relativismo revela nestas palavras de Feyerabend o seu verdadeiro rosto: uma filosofia da intolerância e da violência. A razão contra a qual luta é paz. E a Igreja, ao rever a sua sentença contra Galileu, mostrou ser a Igreja da Tolerância e da Paz, que, hoje mais do que nunca, sobretudo depois do Concílio Vaticano II, está à altura de zelar pelos valores humanos.


2. VERDADE E JUSTIÇA. A «verdade» é, na perspectiva de Rorty, uma questão social de crença: uma crença só é verdadeira quando é socialmente aceite como tal. Como resultado contingente da sociedade, o eu é destituído da sua autonomia. As suas crenças são as crenças da «sua» sociedade e, como crenças sociais, são verdadeiras. A «filosofia» de Rorty apresenta-se assim como uma apologética do status quo. A sua ambição de redescrever o liberalismo realiza-se na expectativa de que o novo vocabulário que propõe se converta numa crença socialmente aceite. Os vocabulários mudam, mas a realidade social, que deveria ser mudada, permanece a mesma – sempre igual a si mesma e cada vez mais cruel. Aliás, o vocabulário liberal de Rorty não pretende nem quer mudar nada; quer apenas ser aceite como uma nova redescrição da realidade estabelecida. Ao negar a universalidade da razão nega, num só e mesmo movimento, a esperança daqueles que lutam por uma sociedade justa e racional; rejeita, portanto, a razão crítica, afirmando a sua satisfação com a realidade estabelecida. Dado que o que é é a crueldade e o sofrimento, a redescrição de Rorty mais não é que a apologia da crueldade do mundo pós-moderno. O seu pretenso liberalismo não resiste ao abandono da razão: auto-aniquila-se na sua pretensão de pensar que «a crueldade é a pior coisa que podemos praticar»
[6], convertendo-se em barbárie.


3. UNIVERSALIDADE. Apesar de abdicar da busca de uma racionalidade universal, o ironismo universal de Rorty não resiste à tentação da universalidade ou de vir a ser, de algum modo, o guardião da racionalidade universal. Ele pretende identificar-se com a filosofia. A contingência auto-assumida pela ironia literal não afasta o desejo infundado (e infundável) de vir a dominar todos os outros vocabulários, antigos e alternativos, manifestando, deste modo, a sua vocação identitária e totalitária. Mediante os mecanismos sociais identificados por George Mead
[7], o vocabulário metafórico de Rorty ambiciona converter-se em crença social universalmente aceite. Ao excluir a possibilidade teórica e histórica de um consenso racional, a ironia liberal espera vir a dominar mediante mecanismos contingentes de socialização, de resto os únicos reconhecidos como responsáveis pela substituição de vocabulários. É certo que ela duvida de si mesma, mas, desde que seja aceite socialmente por todos, pode chegar a ser considerada como «verdadeira». A «verdade» e o «consenso» são assim alcançados através da violência simbólica e do terror subtil exercidos pela maioria social sobre os indivíduos. Ao fazer da «verdade» uma questão de dominação social e política, a ironia liberal alia-se involuntariamente ao totalitarismo. E, como manifestação expressiva da razão subjectiva e instrumental, não só liquida a razão objectiva, como também aniquila o indivíduo, que pretendia defender contra a crueldade e o sofrimento.


4. CRUELDADE. Assim, a pretensão da ironia liberal de evitar a crueldade converte-se no seu contrário: na continuação da crueldade existente acrescida de uma nova crueldade – a de um mundo absolutamente contingente que não responde à nostalgia do absoluto experienciada pelas pessoas. Condenar as pessoas à sua contingência é o mesmo que abandoná-las ao sofrimento e à crueldade. Num mundo em que tudo é contingente (a linguagem, a individualidade e a comunidade liberal), nada é contingente, sobretudo o vocabulário dominante que parasita o cérebro em desenvolvimento de cada um dos seus potenciais utentes desde a mais tenra infância, de modo a converter-se, mais tarde e de um modo gradual mas repressivo, no «seu» vocabulário, como se se tratasse de uma idiossincrasia individual. Tudo isto estava já presente no pragmatismo que Rorty herdou de Charles S. Pierce, John Dewey e George Mead. Mas, ao ir mais longe que os seus heróis, Rorty consumou completamente o processo de liquidação da razão objectiva e de todos os seus conteúdos objectivos. Em seu lugar, a ironia liberal ergueu um edifício totalitário que perpetua o sofrimento e a crueldade, condenando os humilhados e ofendidos a aceitar resignadamente o triunfo do assassino. Relacionando as ideias de Deus e de Razão – entendida como secularização da primeira – Rorty pretende levar até ao fim a «desdivinização do mundo»
[8] para justificar melhor a miséria presente. A «filosofia» de Rorty é, em última análise, a capitulação do pensamento diante de uma realidade totalitária, que, de acordo com o seu vocabulário, não pode ser considerada como irracional.


5. SOLIDARIEDADE. A solidariedade não resiste à liquidação da razão objectiva. Se não há conversação pautada por princípios racionais válidos, não pode haver consenso racional e, sem este, não é possível defender a solidariedade. Aliás, solidariedade para quê? Se a história é um simples confronto de metáforas, vocabulários ou descrições (nenhuma das quais pode ser avaliada como mais verdadeira que as outras), então de que nos serve criar a solidariedade se não temos fins a atingir que sejam mais legítimos ou verdadeiros do que outros? Rorty reduz a solidariedade a uma comunidade que partilha um mesmo vocabulário por ter sido endoutrinada e educada nele. E é por ser aceite social e passivamente que esse vocabulário pode ser considerado como verdadeiro. A epistemologia é assim dissolvida numa narrativa ideológica da sociedade estabelecida. A «verdade» de um vocabulário depende do sucesso da socialização. Os vocabulários são criados por uns poucos homens e impostos aos outros, às massas, através da socialização e da endoutrinação. No fundo, o vocabulário é sempre o vocabulário dos grupos ou das elites dominantes. Ninguém escolhe livre e racionalmente o seu vocabulário; assimila e interioriza, durante o seu desenvolvimento ontogenético, o vocabulário do seu grupo e da sociedade: o «seu» vocabulário é o vocabulário da sociedade em que vive, ou seja, o vocabulário dominante. A ironia liberal de Rorty é ironicamente inimiga do liberalismo e uma séria aliada do totalitarismo predominante, na medida em que, como escreve Horkheimer, «a desintegração da razão e a do indivíduo são uma e a mesma coisa»
[9]. Ao retirar-lhe a razão, Rorty afoga o indivíduo na colectividade.


6. SILÊNCIO. No seu Tratado Lógico-Filosófico, Ludwig Wittgenstein desenvolveu um conceito de filosofia que desmente precisamente aquilo que lhe interessa.

«O método correcto da Filosofia seria o seguinte: só dizer o que pode ser dito, isto é, as proposições das ciências naturais – e portanto sem nada que ver com a Filosofia – e depois, quando alguém quisesse dizer algo de metafísico, mostrar-lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais não foram dados uma denotação»
[10].

E, mais adiante, Wittgenstein acrescenta: «Acerca daquilo que não se pode falar, tem que se ficar em silêncio»
[11]. A filosofia, segundo esta concepção positivista, não pode dizer o inexprimível, que, no entanto existe. «É o que se revela, é o místico»[12].
Theodor W. Adorno procurou refutar este conceito wittgensteiniano de filosofia, mostrando que o que lhe interessa é «o paradoxo da empresa de dizer por meio do conceito o que não se pode dizer precisamente por meio de conceitos, dizer o indizível»
[13].
Se Wittgenstein reduz o alcance da filosofia, fazendo dela uma actividade que visa apenas «a clarificação lógica dos pensamentos»
[14], Adorno alarga-o, mostrando a sua necessidade num mundo que caminha em direcção à integração total. «Crítica da filosofia que é, [a teoria crítica] não quer abrir mão da filosofia»[15]. Rorty, pelo contrário, reduz a filosofia a nada e, não satisfeito com o seu nihilismo, nega o seu papel na coordenação de uma linguagem das vítimas ou do sofrimento.

«A filosofia ironista não fez nem fará muito pela liberdade e pela igualdade. Mas […] a «literatura» […] bem como a etnografia e o jornalismo, estão a fazer muito. Como anteriormente disse, a dor é não linguística. É aquilo que nós, seres humanos, temos que nos liga às bestas que não utilizam a linguagem. Assim, as vítimas de crueldade, as pessoas que sofrem não têm muito a ver com uma linguagem. É por isso que não há uma «voz dos oprimidos» ou uma «linguagem das vítimas». A linguagem que em tempos as vítimas usaram já não funciona e essas vítimas estão a sofrer demasiadamente para coordenar novas palavras. Assim, o trabalho de pôr a sua situação numa linguagem terá de ser feito por alguém em seu lugar. O romancista, poeta ou jornalista liberal desempenha bem essa função. Regra geral, o teórico liberal não»
[16].

E, mais adiante, clarifica melhor o seu «pensamento», digno e à medida do seu cérebro:

«A associação que o metafísico faz da teoria à esperança social e da literatura à perfeição privada é invertida numa cultura liberal ironista. Dentro de uma cultura metafísica liberal, as disciplinas que eram encarregadas de penetrar para além das muitas aparências privadas, no sentido da realidade comum geral única – a teologia, a ciência, a filosofia – eram aquelas que se esperava unissem os seres humanos e, assim, ajudassem a eliminar a crueldade. Numa cultura ironista, pelo contrário, é às disciplinas que se especializam na descrição densa do privado e do idiossincrático que se atribui essa função. Em particular, os romances e as obras etnográficas, que sensibilizam para a dor dos que não falam a nossa linguagem, têm de desempenhar a função que se pretendia que as demonstrações de uma natureza comum desempenhassem. A solidariedade tem de ser construída a partir de pequenas peças, e não encontrada já à nossa espera, na forma de uma ur-linguagem que todos reconheçamos ao ouvi-la. Inversamente, na nossa cultura cada vez mais ironista, a filosofia tornou-se mais importante para a busca da perfeição privada do que para qualquer missão social»
[17].

A concepção «individualista» do sofrimento de Rorty permite-lhe explicitar o posicionamento da sua filosofia ironista diante da esperança social – da missão social da filosofia. A filosofia ironista liberal abdica da função de pôr a situação das vítimas de crueldade e das pessoas que sofrem numa linguagem, atribuindo-a à literatura, ao jornalismo e à etnografia. Assim, a filosofia abandona a sua missão de «auto-reflexão da humanidade» e de «auto-realização da razão», para usar os termos de Edmund Husserl
[18], e entrega-se exclusivamente à perfeição privada. Rorty, tal como os seus heróis – o jovem Hegel (?), Nietzsche, Heidegger (o último), Proust e Derrida – reduz «o assunto da teoria ironista» à (destruição da) «teoria metafísica»[19], com o objectivo de se livrar dela e de tentar «alcançar a autonomia»[20]. Nas suas palavras, a filosofia ironista «tenta sair de contingências herdadas e fazer as suas próprias contingências, sair de um vocabulário final antigo e criar um que seja o seu próprio vocabulário final»[21].

«Aquilo que procura é uma redescrição [do cânone Platão/Kant ou tradição da metafísica ocidental] que faça com que este perca o poder que exercia sobre [o ironista] – quebrar o ditame provocado pelos livros que constituem esse cânone. (...) O passado para o ironista são os livros que sugeriram que poderia haver algo como um vocabulário não ironizável, um vocabulário que não poderia ser substituído ou ser redescrito. Pode-se pensar nos teóricos ironistas como sendo críticos literários que se especializam nesses livros – nesse género literário particular»
[22].

A designação de «metafísica para costureirinhas» dada por Lévi-Strauss
[23] ao existencialismo aplica-se igualmente e ainda melhor à teoria ironista de Rorty. Como filósofo, Rorty é um costureiro desajeitado.


7. O OUTRO. Ao procurar dizer o inexprimível, a Filosofia recorre necessariamente à linguagem e ao conceito, porque, como observa Adorno, «só é possível [dizer a dor] por meio da linguagem que é capaz simultaneamente de fixar os conceitos e de os variar por meio do lugar de valor que lhes proporciona»
[24]. A filosofia não pode ser alheia ao sofrimento físico. Coordenar o sofrimento numa linguagem é uma das suas maiores funções. Como escreve Horkheimer:

«Os mártires anónimos dos campos de concentração são os símbolos da humanidade que luta para nascer. A tarefa da filosofia é traduzir o que eles fizeram numa linguagem que será ouvida, mesmo que as suas vozes finitas tenham sido silenciadas pela tirania»
[25].

Adorno, que certa vez, tinha dito que era bárbaro escrever lírica depois de Auschwitz, reformula a sua concepção na obra Dialéctica Negativa, onde escreve: «A perpetuação do sofrimento tem tanto direito a expressar-se como o torturado o de gritar; daí que talvez tenha sido falso dizer que depois de Auschwitz já não se podia escrever poemas»
[26]. O sofrimento e a dor não podem nem devem ser esquecidos. O seu esquecimento perpetua a miséria existente, mas a sua recordação ajuda-nos a resistir à identidade total e a lutar contra ela. A teoria crítica, ao contrário da teoria ironista, é a voz do sofrimento real, não só das vítimas de Auschwitz, mas também, por exemplo, das vítimas inocentes da Sida, dos que morrem de fome ou dos indivíduos traídos pelos seus cônjuges, amigos e companheiros.


8. DOR. Assim reduzida à crítica literária dos livros que constituem o cânone Platão/Kant e entregue apenas à busca da perfeição privada, a filosofia ironista abandona a missão social da metafísica e da teologia a favor da literatura, do jornalismo liberal e da etnografia. Paradoxalmente, o que Rorty proíbe à filosofia consente à literatura, ao jornalismo e à etnografia, qualquer uma das quais necessita da linguagem para descrever o sofrimento. A sua tese da não-linguisticidade da dor auto-liquida-se a si própria. A filosofia não pode traduzir linguística e conceptualmente o sofrimento das vítimas, porque a dor é não linguística, mas as três disciplinas mencionadas podem descrevê-la e dizê-la através da linguagem. Como rompe com a Razão, a Verdade e a Teoria, Rorty não concebe um discurso racional da emancipação do Homem, tal como o faz Jürgen Habermas
[27]. A «fisicalidade » da dor não quer dizer que ela não possa ser dita através da linguagem. Aliás, um grito de dor ou uma expressão facial de dor é já uma expressão da «dor física», mas, se a dor permanecer individualizada, não será ouvida. A Filosofia coordena os diversos gritos de dor individuais numa linguagem do sofrimento, tendo em vista a abolição universal do sofrimento e a felicidade universal do homem.


9. DESPEDIDA DE RORTY. O paradoxo rortyano não pára aqui. Ao acentuar o carácter privado do sofrimento, Rorty pensa ter dado o passo certo para poder atribuir a sua redescrição às disciplinas que se especializaram na descrição do privado e do idiossincrático, em particular a literatura, o jornalismo liberal e a etnografia. Curiosamente, a filosofia ironista que se define a si mesma como filosofia privada silencia a sua voz na função de dar voz às vítimas do sistema administrado da falsa identidade. Este silêncio é sintomático: Rorty cala-se sempre nos aspectos em que o sistema poderia ser questionado.
A literatura apresenta descrições, mas nestas não existem sinais aos quais foram dados uma denotação. O universo literário é irreal e, como tal, não se limita a representar a realidade do sofrimento. As suas «descrições» do sofrimento não são verdadeiras, no sentido científico do termo; são ilusões – na literatura verdadeira, belas ilusões, que mostram a possibilidade histórica de um mundo sem sofrimento.
Embora não o diga, Rorty foi buscar o termo descrição densa ao antropólogo hermeneuta Clifford Geertz, segundo o qual «a etnografia é uma descrição densa»
[28]. Mas tanto os estudos etnográficos de Geertz como os de outros etnógrafos estão mais preocupados em descrever as culturas selvagens na sua totalidade social global do que em destacar apenas o sofrimento dos selvagens. É certo que Malinowski brinda-nos com páginas magníficas onde nos fala da morte, das cerimónias funerárias, das obrigações do luto e da ideologia do luto dos trobiandeses, mas raramente a etnografia faz descrições densas do sofrimento e da crueldade. As poucas referências ao sofrimento dos selvagens são um contributo precioso para a coordenação de uma linguagem universal do sofrimento, de resto uma das tarefas cruciais da teoria crítica e da teologia da cruz.
Além disso, a etnografia pretende ser e é uma ciência descritiva e, como tal, recorre necessariamente a conceitos gerais e universais enraizados no cânone Platão/Kant, que Rorty pretende demolir em nome de uma nova contingência: o ironismo liberal. Com excepção da etnografia pós-moderna que se trata a si mesma como um género literário
[29], a etnografia - dada a sua natureza e estatuto epistemológico no seio da antropologia – não se coaduna com as intenções literárias de Rorty.
Das três disciplinas referidas só o jornalismo liberal e os restantes meios de comunicação social se enquadram nas intenções reais da ironia liberal. As «descrições» do sofrimento que aparecem nos jornais, assim como noutros meios de comunicação de massas, não obedecem necessariamente ao princípio da verdade objectiva. A sua lógica não é, portanto, a lógica da verdade, mas sim a lógica do lucro e da manipulação das massas e da opinião pública. A sua linguagem pseudo-objectiva não sensibiliza as pessoas; pelo contrário, torna-as insensíveis à dor e ao sofrimento. Assim, por exemplo, as imagens de violência emitidas diariamente pelos écrans da televisão acabam por tornar as pessoas insensíveis e indiferentes à violência que grassa pelo mundo contemporâneo. As crianças e os jovens acabam não só por se habituar à violência como também por a considerar como normal. Esta normalização e habituação da violência neutraliza os nossos instintos de compaixão e, ao mesmo tempo, provoca mais violência em vez de solidariedade. O efeito mimético e catártico da violência dos mass media traz assim a violência dos écrans para o mundo da vida. Os jovens (e não só) fazem o que vêem fazer os seus heróis nos filmes. As faculdades intelectuais são embutidas, atrofiadas e liquidadas a favor da mimesis. A massificação produz um mundo homogeneizado e uniforme.


10. O ERRO DE VATTIMO. Gianni Vattimo destaca o advento da sociedade da comunicação como um dos grandes factores que contribuiu decisivamente «para a dissolução da ideia de história e para o fim da modernidade»
[30]. Ao dissolverem os pontos de vista centrais ou, como prefere dizer François Lyotard, as «grandes narrativas»[31], os meios de comunicação de massa produziram «uma explosão e multiplicação generalizada de weltanschauungen, de visões do mundo»[32]. Esta não só torna «cada vez menos concebível a própria ideia de uma realidade»[33], como também faz «surgir um ideal de emancipação que, na sua própria base, reflecte oscilação, pluralidade, e finalmente, a erosão do próprio «princípio de realidade»[34]. Na sociedade da comunicação generalizada,

«a emancipação consiste mais no desenraizamento que é também, e simultaneamente, libertação das diferenças, dos elementos locais, de tudo aquilo a que podemos chamar, no seu conjunto, dialecto. Caída a ideia de uma racionalidade central da história, o mundo da comunicação generalizada explode como uma multiplicidade de racionalidades «locais» – minorias étnicas, sexuais, religiosas, culturais ou estéticas – que tomam a palavra, finalmente já não tacitamente aceites e retomadas pela ideia de que só existe uma única forma de humanidade verdadeira para realizar, não obstante todas as peculiaridades, todas as individualidades limitadas, efémeras, contingentes. Este processo de libertação das diferenças, diga-se de passagem, não é necessariamente o abandono de toda e qualquer regra, a manifestação bruta do imediato: até os dialectos têm uma gramática e uma sintaxe, logo, só quando adquirem dignidade e visibilidade descobrem a sua própria gramática. A libertação das diversidades é um acto através do qual elas «põem na forma», de modo a poderem ser reconhecidas; algo bem diferente de uma manifestação bruta do imediato»
[35].
Tanto Vattimo como Rorty ou Lyotard congratulam-se com a explosão de uma multiplicidade de dialectos, vocabulários ou jogos de linguagem. Cada um tem direito a ter o seu próprio dialecto, mas, como mostram as palavras de Vattimo que a seguir transcrevemos, todos eles são homólogos, isto é, produzem uma homologação geral do pensamento. A multiplicidade de racionolidades «locais» ou de visões do mundo manifesta-se na unicidade da visão pós-moderna do mundo. Na «filosofia» pós-moderna, a diferença é identidade.

«O efeito emancipador da libertação das racionalidades locais – continua Vattimo – não é, no entanto, apenas o de garantir a cada um um mais completo reconhecimento e «autenticidade»; como se a emancipação consistisse em manifestar por fim aquilo que cada um é «verdadeiramente» (em termos ainda metafísicos, espinosianos): negro, mulher, homossexual, protestante, etc. O sentido emancipador da libertação das diferenças e dos «dialectos» consiste mais no complexo efeito de desenraizamento que acompanha o primeiro efeito de identificação. Se falo o meu dialecto, afinal num mundo de dialectos, também estou consciente de que ele não é a única «língua», mas precisamente um dialecto entre outros. Se professo o meu sistema de valores – religiosos, estéticos, políticos, étnicos – neste mundo de culturas plurais, terei também uma consciência aguda da historicidade, contingência e limitação de todos estes sistemas, a começar pelo meu»
[36].

E Vattimo conclui: «Viver neste mundo multifacetado significa fazer a experiência da liberdade como oscilação contínua entre pertença e desenraizamento»
[37]. Como qualquer outro filósofo pós-moderno, Vattimo socorre-se das ciências sociais e humanas, em particular da antropologia e da etnologia, para tornar acessível a diversidade de existências humanas, de dialectos e de universos culturais.

«Em vez de se dirigir para a autotransparência, a sociedade das ciências humanas e da comunicação generalizada, dirigiu-se em direcção ao que, pelo menos na generalidade, se pode denominar «fabulação do mundo». As imagens do mundo que nos são fornecidas pelos media e pelas ciências humanas, mesmo em diferentes planos, constituem a própria objectividade do mundo, não só interpretações diferentes de uma «realidade» que de algum modo nos é «dada». «Não existem factos, só interpretações», segundo nos diz Nietzsche, que também escreveu que o «mundo verdadeiro se tornou finalmente fábula»»
[38].

E mais adiante esclarece melhor o seu pensamento que se diz herdeiro de Heiddeger e de Nietzsche:
«O sistema media-ciências humanas funciona, quando funciona da melhor maneira, como emancipação, mas apenas enquanto nos coloca num mundo menos unitário, menos certo, portanto, também muito menos securizante do que o mundo do mito. É o mundo para o qual Nietzsche tinha imaginado, como novo sujeito capaz de a viver sem neuroses, a figura do Uebermensch, do ultra-homem, e ao qual a filosofia «corresponde» com o que, por direito, podemos já chamar a viragem hermenêutica»
[39]

ou, como lhe chama Vattimo noutro lugar, uma «ontologia do declinar»
[40]. «O sujeito pós-moderno, quando procura dentro de si uma verdade primordial não encontra a segurança do cogito cartesiano, mas as intermitências do coração proustianas, os relatos dos media, as mitologias evidenciadas pela psicanálise»[41].
Este sujeito sem individualidade e interioridade é o preço que o indivíduo teve de pagar quando trocou o mundo seguro e reconfortante do «mito» pelo mundo plural dos media. O crepúsculo dos ídolos acabou com o mundo das «ilusões» que tranquilizavam os corações humanos, deixando o homem entregue aos caprichos da economia de mercado e dos media. Mas o homem é aquele ser que não sabe viver sem ilusões. A proposta de Nietzsche
[42], confirmada na concepção de Vattimo da liberdade como oscilação, de «continuar a sonhar, sabendo que se está a sonhar», é humana e cerebralmente impossível. No mundo pós-moderno, as antigas certezas foram substituídas por novos ídolos comercializados e legitimados pelos media, tais como o álcool, a droga, os carros, o consumismo, os mitos de status e de prestígio, o dinheiro, o conceito de sucesso, a aparência, enfim a promiscuidade sexual. Jean-Pierre Changeux mostrou que o homem, depois de haver devastado a natureza que o rodeia, está igualmente a arruinar o seu próprio cérebro. Com efeito, o consumo massivo de um dos medicamentos mais vendidos no mundo, as benzodiazepinas, revela que o cérebro do sujeito pós-moderno começou a ser destruído.

«Estes tranquilizantes secundários actuam ao nível do receptor cerebral de um neurotransmissor inibidor, o ácido y-aminobutírico. Exaltando o seu efeito, acalmam a angústia e induzem o sono. São vendidas sete milhões de caixas por mês em França e registam-se vendas comparáveis na maior parte dos países industrializados. Um adulto em cada quatro «tranquiliza-se» quimicamente. Terá o Homem moderno necessidade de adormecer para poder suportar os efeitos de um meio ambiente que ele próprio criou?»
[43].

Este consumo das benzodiazepinas revela claramente que o sujeito pós-moderno não suporta a vida intranquila que é obrigado a levar no mundo da comunicação generalizada. Consome benzodiazepinas para esquecer o sofrimento vivido diariamente, caindo assim num sono reificador. A vida sem neurose é um conceito que não se coaduna com a sociedade da comunicação generalizada. O sistema media-ciências humanas, em vez de emancipar o homem, escraviza-o cada vez mais, não lhe deixando outra alternativa senão a reificação total: o efeito mais preocupante de um tal sistema é o advento de uma patologia difusa e generalizada, a síndrome da desertificação afectiva, que consome o sujeito pós-moderno.


11. A MORTE DA COMUNICAÇÃO. Na sociedade da comunicação generalizada, o «mundo» é constituído por inúmeros monólogos surdos que se dispersam na noite da não comunicação. A sociedade da comunicação generalizada é a sociedade da ausência de comunicação: quer dizer que a comunicação se converteu em manipulação, cujo controle cervical reside nos meios de comunicação social. Numa sociedade em que ninguém escuta ninguém, mas onde todos procuram manipular todos, o acordo, sobretudo o acordo racional, tornou-se impossível. Aliás, actualmente ninguém procura o acordo ou o consenso racional; procura, isso sim, manipular os outros e «vencer» à sua custa. A dificuldade da teoria do agir comunicacional de Habermas reside no facto de desconhecer a sociedade que devia conhecer antes de procurar mudá-la. Não é, portanto, uma teoria consensual, donde resulta ser, de acordo com os seus próprios critérios de validação, uma teoria falsa. O fundamento normativo que pretende fornecer à crítica imanente é absolutamente utópico. Do irracional não pode «sair» o racional. Qualquer parlamento dito democrático desmente a possibilidade histórica da realização da teoria da razão comunicacional.
M. Buber definiu o homem «como o ser em cuja dialógica, em cujo «estar-dois-em-recíproca-presença» se realiza e se reconhece cada vez o encontro de «um» com o «outro»»
[44]. O conceito buberiano de homem como ser dialógico escamoteia o facto de que, na sociedade da comunicação generalizada, não há diálogo genuíno e recíproco, mas sim espectadores que se limitam a assimilar o que lhes é transmitido pelos meios de comunicação social e a repetir tudo isso nas situações mais caricaturais da vida quotidiana. A autonomia cedeu o seu lugar à heteronomia: o sujeito pós-moderno não é dirigido por si mesmo (intradirigido) ou pela tradição (traditivo-dirigido), mas pelos outros, mais especificamente pelos mass media (alterdirigido), para utilizar a terminologia de David Riesman[45]. Ao converter o indivíduo autónomo em mero espectador e caixa-de-ressonância, a sociedade da comunicação generalizada liquidou o próprio indivíduo. Ora, sem indivíduos genuínos não há encontros genuínos e sem encontros genuínos não há diálogos genuínos. A comunicação generalizada, centrada nos mass media, liquidou o diálogo e a possibilidade de um consenso racional. O homem actual vive mergulhado num mundo onde ninguém escuta ninguém, mas onde todos escutam os media. Abolido o diálogo e a sua possibilidade racional, resta apenas o monólogo como ressonância de uma comunicação desesperada que condena cada um à mais triste solidão. O sujeito pós-moderno não sabe (nem quer) escutar os outros: cada homem fala de si próprio para si próprio, mas o que diz já foi dito por todos. A diversidade de concepções do mundo ou de jogos linguísticos veiculada pelos mass media reduz-se, no fim, a um único e extenso vocabulário, reelaborado pelas «diversas» filosofias relativistas pós-modernas.


12. FASCISMO. O fascismo reduziu, na Europa, os seres humanos conscientes a átomos sociais através de métodos terroristas e violentos e, deste modo, não só abrandou a resistência humana à irracionalidade, como também consumou a liquidação da individualidade. Com efeito, o núcleo da verdadeira individualidade é a resistência humana à irracionalidade predominante, nomeadamente ao processo de reificação do homem e da natureza, impulsionada pela economia de mercado generalizada e pela cultura de massas. Resistência humana à massificação irracional é um conceito fulcral da nova teoria crítica. Num mundo completamente administrado e massificado, só os que resistem racionalmente ao processo de integração social total é que ainda conseguem manter um resíduo da verdadeira individualidade. A teoria crítica convida a resistir à irracionalidade da sociedade pós-moderna. Se não podemos transformar molarmente o mundo, como seria de desejar, podemos, pelo menos, tentar resistir-lhe e conservar assim a nossa individualidade. O pensamento crítico é o antídoto contra a reificação em curso. Ele cria resistências no indivíduo que lhe permitem lutar contra as manipulações da cultura de massas e da sociedade administrada. O pensamento crítico só pode ser a Filosofia que se situa na herança do cânone Platão/Kant. Actualmente, na sociedade da comunicação generalizada, a sua missão deve ser imunizar os indivíduos, criando-os, contra o conformismo apático predominante. Ao contribuir para o fortalecimento do indivíduo, a Filosofia dota-o dos conhecimentos e modelos necessários para resistir às atracções e seduções estupidificantes da sociedade da economia de mercado generalizada.


13. BUROCRACIA. A burocracia estupidificou o mundo, a começar pelos seus agentes
[46].
A Filosofia soube guardar a verdade, porque sempre se manteve afastada do poder que nunca tem razão. É, assim, visceralmente rebelde à integração social. Esta independência valeu-lhe a perseguição dos burocratas e dos donos do mundo. A teoria crítica é actualmente o esforço teórico que visa manter o indivíduo livre da sua sujeição burocrática. Contra a massificação social em curso, ela foi levada a defender o ideal burguês da individualidade: a ideia do indivíduo autónomo, racional e livre. A resistência (individual) contra o sistema é, assim, a tarefa prioritária da teoria crítica. A Filosofia, bem como a Teologia, morre no dia em que o sistema conseguir liquidar o último indivíduo.
A resistência é dolorosa, mas vale a pena lutar por ela, mesmo que isso signifique o fracasso social do indivíduo que resiste quer à integração, quer à resignação. O seu fracasso será sempre a medida do seu valor e da sua verdade. Quanto mais fracassar, maior será a sua verdade. A burocracia conhece os seus inimigos, pois não persegue os tolos e os estúpidos, mas apenas os indivíduos verdadeiros. É, deste modo, que ela reconhece a superioridade dos indivíduos superiores. Afastando-os, a burocracia e os seus agentes atestam o seu medo da cultura superior e da inteligência, ao mesmo tempo que se auto-ilude. Com efeito, o burocrata é suficientemente estúpido para julgar que, afastando a ameaça, liquida a ameaça. Persegue a inteligência para manter a ilusão da sua pseudo-inteligência. Encara a presença da inteligência como uma ameaça à sua mediocridade e, ao proceder assim, reconhece a sua mediocridade. A fraqueza da burocracia reside neste reconhecimento tácito. A burocracia não só é a ditadura dos estúpidos sobre os inteligentes, como também representa a anti-cultura.


14. TEORIA CRÍTICA. A teoria crítica é, na actual conjuntura teórica, a única guardiã da cultura viva, que se opõe à cultura morta. A democratização da cultura superior do Ocidente destrói a sua força antagónica e negativa sem, no entanto, contribuir para a melhoria educacional e intelectual do povo em geral. As massas populares continuam tão estúpidas agora como eram antes, talvez até mais estúpidas. Nas suas mãos e nas da burocracia que as dirige e domina, a cultura superior morre, convertendo-se num bem-de-consumo que visa a adaptação social. A cultura é consumida como qualquer outra mercadoria que esteja à venda no mercado, mas ninguém conhece verdadeiramente o seu conteúdo. Sócrates, Platão, Descartes e Kant são frequentemente mencionados nas conversas e nos concursos televisivos para impressionar o público analfabeto e mostrar, deste modo, que se tem «cultura geral». A cultura é, assim, instrumentalizada; perdeu a sua autonomia e converteu-se num instrumento colocado ao serviço da reprodução da mediocridade geral. A cultura viva converteu-se assim em cultura morta.
Paradoxalmente, o regresso da cultura à vida fechou-a num mausoléu. A regressão intelectual dos consumidores transformou-a num ornamento, sem qualquer valor em si mesma. O regresso à barbárie cultural deixou de ser uma mera ameaça e passou a ser uma realidade. O mundo 3 de Karl Popper
[47] – que abrange toda a cultura espiritual – pode ser autónomo, mas sem o mundo 2, constituído por indivíduos cultos, inteligentes e criativos, não passa de um cadáver material do mundo 1. Criam-se muitos museus e abrem-se muitas exposições: as «pessoas» percorrem todos esses espaços para ver a morte da cultura, ou seja, a fisicalidade inerte da cultura morta. Mais importante que a criação destes mausoléus culturais, representados em Portugal pelo monumental Centro Cultural de Belém, é a criação de institutos ou centros de pesquisas vivas, capazes de dar vida e continuidade à cultura, desde que «dirigidos» por homens inteligentes e generosos e não por «afilhados» medíocres e mesquinhos ou por burocratas analfabetos[48]. Dar vida à cultura não é convertê-la numa mercadoria susceptível de ser consumida por qualquer idiota, mas levar as pessoas a participar na sua criação e a educar-se para a mudança social qualitativa. A cultura viva é incompatível com a sua reificação e burocratização. Numa sociedade tecnológica inculta, a cultura viva só vive naqueles que resistem à integração social e cultural.


15. HERMENÊUTICA. A posição de domínio da hermenêutica na filosofia contemporânea reflecte, no seio da Filosofia, o conceito burocrático de cultura. Com efeito, a Hermenêutica, impulsionada por Hans-Georg Gadamer
[49], fechou a filosofia em si mesma e na sua história. Esta conversação consigo mesma converteu-se actualmente, sobretudo em Derrida, Rorty ou Vattimo, em destruição de si mesma e da sua história. Deste modo, a filosofia hermenêutica está desarmada diante da miséria existente e não resiste, por conseguinte, ao seu próprio esquecimento. A reificação da filosofia condena-a à morte. A sua sobrevivência exige renovação e continuidade da pesquisa e da investigação crítica que sempre a caracterizou, desde as suas origens pré-socráticas. A Filosofia tem de abandonar o fragmento e voltar ao discurso racional que visa a emancipação do homem e da natureza, ou seja, a reconciliação. A redução da filosofia à crítica literária, defendida por Rorty, é a sua autoliquidação como pensamento sério.


16. ACTUALIDADE DE HEGEL. Hegel não se limitou a confrontar redescrições da realidade; nestes «confrontos» procurou superar dois vocabulários numa síntese mais profunda
[50]. A dialéctica hegeliana é uma dialéctica concluída e, enquanto tal, é exclusiva. O sistema hegeliano revela a verdade absoluta, que, no seu processo de auto-desenvolvimento dialéctico, superou todos os outros vocabulários históricos. Ao considerar o jovem-Hegel como um percursor da ironia liberal, Rorty mostra que não compreendeu nada de Hegel.


17. RETÓRICA. A rejeição da herança socrática a favor da herança sofista é a negação da própria Filosofia. A redução da filosofia à retórica não só destrói a verdade objectiva e a razão, substituindo-as pela persuasão e pelo condicionamento, como também eleva a «política» e o jornalismo às alturas de um saber que não é nem pode ser. A retórica é a figura da própria falsidade. O seu uso pelo poder e pelos mass media visa não só a persuasão e o condicionamento, mas também e sobretudo a resignação perante a miséria existente.


18. IRONIA LIBERAL. A verdade é feita, mas o mundo está diante de nós: esta tese de Rorty é a apologia descarada da miséria existente
[51]. Podemos mudar os vocabulários porque somos nós que os fazemos, mas não podemos mudar o mundo porque este não é um produto da nossa acção. A impotência do pensamento perante a tarefa prática da mudança qualitativa do mundo reflecte e deriva do seu carácter ideológico. A retórica ironista liberal não está ao serviço da emancipação, mas sim da perpetuação do sofrimento. Se o «liberal» da ironia liberal de Rorty é a resistência contra a crueldade, então, no final, resta-nos apenas a ironia sem o «liberal», porque a resignação da ironia nega o «liberal» no domínio da praxis. A ironia de Rorty é cúmplice da crueldade existente.


19. POSITIVISMO. Positivismo é todo o pensamento que não consegue pensar sem logo pensar que a ciência encarna, no fundo, toda a racionalidade
[52]. A equação ciência = racionali-dade é o cerne teórico do positivismo, da qual resulta a formulação da ideologia do cientismo (ou cientificismo). Ao declarar que as proposições metafísicas são «sem sentido», o positivismo lógico auto-limita-se enquanto filosofia, ao mesmo tempo que nos convida a viver de acordo com o «dado». Ora, o «dado» é o sofrimento e a miséria humana. O convite positivista é assim um convite à resignação e à aceitação passiva do sofrimento e, neste sentido, o positivismo lógico é a apologia do que é, ou seja, é uma ideologia. Se o sentido é apenas verificação, como afirmam Moritz Schlick ou mesmo Rudolf Carnap, a vida converte-se em sacrifício e sofrimento gratuitos e a ânsia de uma vida justa e feliz, sem angústia, desvanece-se no abismo do «sentido empírico».


20. A PRETENSÃO DE POPPER. Karl Popper que se atribui a si mesmo a responsabilidade de ter morto o positivismo lógico
[53] nunca simpatizou com a teoria crítica da sociedade. Adorno e Horkheimer escreveram que «a racionalidade técnica é hoje a racionalidade da própria dominação»[54]. Nestas palavras, encontra-se esboçada a crítica da ciência positivista e da razão instrumental, a qual não se coaduna com o racionalismo crítico de Karl Popper. Gadamer, ao dizer que a ciência é ela mesma técnica[55], aceita a crítica da razão instrumental ou, pelo menos, alguns dos seus pressupostos (ou enunciados), mas, em vez de reagir com a formulação de uma «filosofia sistemática», constrói uma «filosofia edificante» que capitula diante da civilização tecnológica. O eixo ciência/técnica desencantou o mundo, ao mesmo tempo que, num só movimento, o instrumentaliza: o resultado é a dominação da natureza e do homem. A filosofia de Popper escamoteia a crítica da razão instrumental e da dominação. Ao relacionar de modo estreito e orgânico a epistemologia e a filosofia social e política, Karl Popper é levado a defender um optimismo que se converte facilmente em apologia do que é, ou seja, em ideologia[56]. O optimismo popperiano é, no racionalismo crítico, o equivalente do ironismo de Rorty que capitula diante da crueldade existente convertida em ilusão na literatura pós-moderna e em manipulação no jornalismo e nos mass media. Afirmar, como faz Popper que «aqui no Ocidente vivemos, em termos relativos, no melhor mundo, no mais justo, mais solidário que jamais houve na história»[57] é um atentado contra a Razão, que faz do liberalismo popperiano, juntamente com o relativismo anarquista de Feyerabend, um dos pilares do irracionalismo contemporâneo que silencia o sofrimento de milhões de pessoas, não só no Ocidente mas sobretudo fora do Ocidente. A crítica popperiana da sociologia do conhecimento de Karl Mannheim procurou autonomizar a razão frente à sociedade e seus condicionalismos[58]. Mas esta crítica, em vez de imunizar a razão contra o relativismo, como pretendia Popper[59], tornou-a impotente diante da miséria presente. Com efeito, ao despojar a razão do seu poder negativo, o racionalismo de Popper, em particular na sua extensão à filosofia social e política, desautoriza a crítica da crueldade existente, donde resulta o seu tom apologético e ideológico. O seu optimismo é assim o desenlace fatal da falta de autonomia da sua concepção de razão. Os limites da sociedade existente são assim os limites da razão popperiana. A razão crítica não consiste apenas em escolher a melhor teoria, mas também e sobretudo em rejeitar a realidade estabelecida em nome de um outro princípio de realidade – mais justo, livre e solidário. Denunciá-la como historicismo oracular, como faz Popper, equivale a esvaziar a razão dos seus conteúdos objectivos e da sua capacidade para determinar autónoma e racionalmente os seus próprios fins. A concepção popperiana da racionalidade é, de certo modo, vítima da instrumentalização da razão.


21. O OUTRO É O INIMIGO. A sociedade dobuana, magnificamente descrita por R. F. Fortune
[60], é um sociedade em que cada indivíduo, devido ao excesso demográfico, teme a proximidade do outro: o dobuano está só num universo povoado de estranhos e de inimigos. A única protecção que possui é talvez o seu susu. O dobuano não acredita na existência do acidente, porque isso seria iludir a perversidade humana. A noite abriga a bruxaria e o medo. A magia negra determina e conduz o mundo dobuano, mas o seu poder decresce à medida que aumenta a distância. A proximidade representa sempre uma ameaça, pois os outros, ou melhor, os que estão próximos, são sempre inimigos. Não são os mortos mas sim os vivos que fazem mal às pessoas que estão vivas. A vida ameaça a vida: eis a fórmula filosófica do pessimismo dobuano. Esta fórmula é verdadeira tanto na sociedade dobuana como na sociedade de massas do Ocidente, apesar das superstições que predominam nesta última. Actualmente, já não se teme muito a morte; teme-se mais a vida. O desencantamento do mundo tornou a vida digna praticamente impossível. Na maior parte dos casos, viver é um sacrifício sem compensação. Neste mundo sem sentido, o abismo faz sentido. E o abismo é viver, ou melhor, sobreviver, conscientemente na suspeita e na desilusão sem cair na tentação do suicídio.
A organização social da sociedade dobuana materializa uma concepção do mundo, um universo noológico, de cariz pessimista, extremamente coerente e realista. A sua concepção do ciúme demonstra a coerência e o realismo do seu universo noológico. O dobuano é ciumento, porque não acredita na fidelidade das pessoas. O mundo da vida dobuana assenta na suspeita e na desconfiança permanentes do outro. Mergulhado num universo povoado de inimigos, o dobuano vive permanentemente no medo e na solidão. Eles ensinam-nos – a nós que vivemos num mundo desencantado governado pelo mal – que não podemos confiar em ninguém, até mesmo no nosso melhor amigo e, cada vez mais frequentemente, nem sequer podemos contar com a protecção da família, como ainda acontece com o dobuano, já que a sociedade de massas se encarregou da liquidação da família. Já no livro do Eclesiástico encontramos uma séria advertência contra os falsos amigos
[61]

22. ADIÇÃO SEXUAL. Contudo, a ausência de amor no mundo contemporâneo não nos deve levar a perder a esperança no amor. É certo que a «onda sexual» em que vivemos mergulha-nos na solidão e no desespero, mas o reencantamento do mundo, pelo menos do nosso mundo, continua a ser essencialmente uma tarefa a dois. Encontrar a sua «alma gémea» é o instinto mais profundo e sério que move cada pessoa, inclusivé os vagabundos sexuais. A sua felicidade depende quase unicamente da satisfação deste instinto e das maravilhas que possam resultar dele: a dádiva, o amor, a partilha, o lar, os filhos, enfim a paz. A solidão e o desespero reflectem, no fundo, a ausência de amor, que deriva do fracasso dessa busca (ou procura)
[62]. Uma pessoa sem «cara-metade» é só e incompleta: falta-lhe o amor, que só é possível a dois. Nada é mais importante na vida que este vínculo afectivo que faz de duas pessoas uma só. Ao desmentir um simples soma aritmética, o amor mostra que a felicidade não é uma questão matemática. Um indivíduo pode possuir muitas pessoas, mas, se não encontrar a «alma gémea» e constituir com ela relação estável e afectiva, e mesmo que conte com a companhia da família, nunca deixará de ser um desgraçado, um «coração solitário», pior ainda um vagabundo sexual.
O dobuano não desconhece a «linguagem do amor», mas sabe que a entrega ao outro representa, no seu universo social, uma séria ameaça à sua integridade física, psicológica, emocional e social. Nesta linha de pensamento, Francis Bacon considerou o amor como uma «fraca paixão»
[63], porque arruína a vida do que ama. A tese baconiana do amor, apesar de não ser completamente falsa no contexto da civilização tecnológica, escamoteia o facto inegável, sobretudo a partir dos mamíferos, de que não podemos viver sem amor se quisermos viver uma vida saudável. O amor pode estorvar a vida, mas a vida sem amor carece de sentido. Esta «aporia» é de tal modo complexa que, nas actuais condições sociais, não sabemos como superá-la, dado que o amor foi convertido em libertinagem sexual. Como é ainda possível falar de amor numa sociedade que lhe virou as costas? O amor é hoje um conceito negativo, que denuncia a ausência de amor que domina a nossa sociedade. Amor e promiscuidade sexual só podem ser pensados na mediação de um com o outro: em si mesmos, estes conceitos carecem de sentido (não dizem nada).
A sociedade de massas, mediante diversos mecanismos e ritmos sociais, impede que duas pessoas possam ser felizes, contrariando assim a nossa programação genética. É uma sociedade doente
[64] que, em vez de indivíduos felizes, produz desesperados. Como escrevem Adorno e Horkheimer: «A sociedade é uma sociedade de desesperados e, por isso mesmo, a presa de bandidos»[65]. O sucesso aparente dos novos movimentos religiosos confirma este enunciado. Mas os desesperados não só são facilmente explorados pelos falsos profetas de todos os géneros, mas também procuram compensar o deserto afectivo em que vivem através de inúmeros encontros sexuais ocasionais com estranhos. A sociedade da comunicação generalizada, tão elogiada por Vattimo, é assim a sociedade da promiscuidade sexual generalizada. A infelicidade que se abriga no ser dos seus indivíduos proíbe a realização de uma vida sem angústia que, por isso, se torna praticamente impossível no seu seio, até mesmo ao nível do casal ou da amizade. A sociedade rouba aos seus indivíduos a possibilidade de serem felizes, condenando-os ao sofrimento mais terrível: a solidão. A fragilidade dos indivíduos faz deles presas fáceis das manipulações do sistema. Este sobrevive e perpetua-se à custa da liquidação dos seus indivíduos. A sociedade pós-moderna é, portanto, o maior deserto afectivo de que a história do homem tem memória e, como tal, é a maior fábrica de produção de loucura.


23. ENIGMAS EVOLUCIONISTAS. O ciúme é sinal de amor, mas, quando se torna «obsessivo», revela uma verdade: a infidelidade do cônjuge e, nalguns casos, o desejo de vingança do elemento traído.
A dependência destrói o vínculo afectivo.
A traição e a infidelidade são duas ameaças constantes.
A entrega completa a outra pessoa é compensada pela sua infidelidade: quer dizer que não nos podemos entregar se quisermos sobreviver.
Quem não ama não merece ser amado.
Quem trai uma vez, trai muitas vezes. A infidelidade é um fenómeno de reincidência constante, tal como a droga.
Uma pessoa que se projecta noutra ou que transfere a realização dos seus sonhos fracassados para outra é um nada, que navega na vida sem sentido. A crueldade deste enunciado só pode ser compensada pelo desenvolvimento da compaixão.
O amor é um vínculo afectivo recíproco simultaneamente forte e fraco; resiste a tudo, mas não resiste à mentira, à infidelidade seriada ou à maldade estúpida da família.
Quem não abandona tudo e todos a favor do amor não é digno da nossa confiança e do nosso amor. O egoísmo é precisamente esta incapacidade de se abandonar ao outro.
Amar unilateralmente uma pessoa sem ser correspondido é masoquismo extremo, de resto sintoma de ausência de amor-próprio. Ninguém, nem mesmo a pessoa amada, merece esse nosso auto-sacrifício, excepto a busca da verdade e da felicidade.
Quem berra muito teme deparar-se consigo mesmo e com a miséria da sua vida. Nada é mais ridículo que ver um indivíduo encorpado e berrão – mas berrão apenas para os que o amam – fugir quando alguém o ameaça, sobretudo depois de um acto falhado de sedução sexual. É como ver um leão fugir das suas presas frágeis! Mas infinitamente mais ridículo...
Quando se perde a confiança em alguém que se tenha amado, nunca mais se volta a confiar nessa e noutras pessoas.
A fidelidade é um sonho a dois. Quem não encontra a sua alma gémea não se encontra a si próprio. Vive amargamente no desespero e este, misturado com o ressentimento, dissolve toda a beleza do mundo e da vida. Um mundo solitário é sempre um mundo triste.


24. PESSIMISMO PRUDENTE. O pessimismo dos ilhéus de Dobu mostra ser um pensamento insatisfeito consigo mesmo e com o mundo social em que vivem. Deste modo, os dobuanos conhecem melhor a natureza da filosofia que certos filósofos profissionais do Ocidente. Tal como os dobuanos, sobreviveram aos malefícios da magia negra, mas não sobreviveram às consequências nefastas da instrumentalização da razão. Se o positivismo é, como diz Marcuse, o pensamento que é filosoficamente «induzido a contentar-se com os factos, a renunciar a transgredi-los e a submeter-se à situação vigente»
[66], então o pessimismo é necessariamente anti-positivista e crítico. Conforme demonstrou Horkheimer, o pessimismo metafísico é um «momento implícito em todo o pensamento genuinamente materialista»[67], entendendo-se aqui por materialismo não uma metafísica monista mas «como o lado teórico dos esforços para erradicar a miséria existente»[68] que, numa homenagem a Adorno, denomina «o mal existente» (das schlechte Bestahende)[69]. Apesar da sua relutância na aceitação da ordem existente, o pessimismo crítico anseia pelo melhor, isto é, por uma sociedade justa.

«Apesar de todo o optimismo que [o materialismo] possa sentir em relação à mudança das condições, apesar de toda a valorização da felicidade que brota do esforço por mudança e da solidariedade, ele carrega consigo um traço pessimista. A injustiça passada é irremediável. Os sofrimentos das gerações idas descobrem pouca compensação. Todavia, enquanto o pessimismo nas correntes idealistas costuma referir-se, hoje, ao presente e ao futuro na Terra, isto é, à impossibilidade da futura felicidade universal, e costuma manifestar-se na forma de fatalismo ou corrente de declínio, a tristeza inerente ao materialismo relaciona-se com factos do passado»
[70]

Adorno chamou-lhe «ciência melancólica»
[71] (Traurige Wissenschaft), em contraposição à «gaia ciência» (fröhliche Wissenschaft) nietzscheana.
Dado que o que é é a miséria, a teoria crítica não pode ser optimista: ela é profundamente pessimista e este pessimismo substancial salvaguarda-a da integração social e da instrumentalização da razão em curso. Tal como a ciência, à qual está unida, a teoria crítica confronta-se com a «experiência» e o real mas, ao contrário da ciência positivista, não considera o real – ou o acordo com o real – como a medida da verdade dos seus enunciados. O real existente é falso e, por isso, qualquer pensamento que defina a sua verdade como correspondência com o real existente é ideológico, portanto, falso. O pensamento só é pensamento quando pensa o real (ou algo). Pensar o real não para se conformar com ele mas para o transformar qualitativamente, tendo em vista a reconciliação universal. A teoria crítica é assim visceralmente anti-positivista e anti-empirista. O positivismo é apologia do status quo; a teoria crítica é, pelo contrário, crítica do que é em nome do que não é mas devia ser. A teoria crítica não só nega a ideologia do dado, como também rejeita a ideologia da neutralidade axiológica da ciência: ela é movida, nas palavras de Habermas, por um interesse emancipatório do conhecimento
[72]. Com efeito, a neutralidade axiológica silencia o sofrimento, tomando posição a favor da ordem existente. Ora, qualquer pensamento que cala a dor é falso. O idealismo, na medida em que nega a existência deste mundo de sofrimento, é falso, tal como o positivismo que pretende combater. Até mesmo a teodiceia de Leibniz[73] é apologia pura: em vez de querer abolir o sofrimento, quer justificá-lo como se fosse possível associar de algum modo Deus com a crueldade existente.


25. OPORTUNISMO E TRAIÇÃO. Paul Feyerabend escreveu as seguintes palavras sobre Karl Popper:

«[Imre Lakatos] admirava igualmente Popper, e por isso Popper aparece com muito mais frequência do que a sua ‘‘importância’’ objectiva justificaria. […] Walter Hollitscher é um professor ao passo que Popper, que eu viria a conhecer bastante bem, não passa de um simples propagandista. […] Conheci Popper em Alpbach em 1948. Admirava as suas maneiras livres, a sua audácia, a sua atitude irreverente para com os filósofos alemães que atribuíam excessivo peso aos modos de proceder, o seu sentido de humor (sim, o Karl Popper relativamente desconhecido de 1948 era muito diferente do Sir Karl Popper consagrado nos anos mais próximos) e também admirava a sua capacidade de reenunciar problemas consideráveis numa linguagem simples e jornalística. Ali estava um espírito livre, afirmando com vivacidade as suas ideias, sem se preocupar com a reacção dos «profissionais». As coisas já eram diferentes no que se referia às ideias em si próprias. Os membros do nosso círculo conheciam o dedutivismo graças a Kraft, que escrevera a esse respeito antes de Popper, a filosofia falsificacionista era considerada ponto assente no seminário de física sob a presidência de Arthur Mach, e por isso não percebíamos bem o porquê de tanto barulho. «A filosofia deve estar num estado desesperado», dizíamos nós, «se estas trivialidades podem ser consideradas descobertas fundamentais». O próprio Popper não parecia ao tempo ter em conta demasiado elevada a sua filosofia da ciência, pois quando lhe pedimos que nos desse uma lista das suas publicações principais, incluiu nela A Sociedade Aberta, mas não A Lógica da Descoberta Científica. As ideias de Popper eram parecidas com as de Wittgenstein, mas mais abstractas e mais anémicas»
[74].

Numa obra posterior, Feyerabend retoma os seus ataques a Karl Popper no mesmo tom: «Com efeito, podemos dizer que Mach […] foi um racionalista crítico muito superior ao que Popper ao que Popper alguma vez poderá aspirar a ser»
[75]. Depois de ter «denunciado» o «estreito horizonte de Popper», Feyerabend continua o seu ataque:

«é difícil duplicar o enfadonho servilismo que caracteriza o Círculo Popperiano e quase insuportável desmantelar todos os mitos, distorções, calúnias e contos de fadas históricas espalhadas pelo seu líder. As ideias de Bohr irão alimentar o pensamento das gerações vindouras. Quanto às «ideias» de Popper, o melhor é esquecê-las o mais rapidamente possível. […] E não esqueçamos o trabalho de Bohr e Heisenberg, ou seja, o seu verdadeiro trabalho, e não as caricaturas de Popper. Existe apenas uma área em que a deterioração é óbvia: o campo do próprio Popper, a filosofia da ciência – e Popper bem se esforçou para que assim fosse. […] Popper repete o que os outros antes dele disseram, mas repete-o mal e sem a perspectiva histórica dos seus antecessores.»
[76].

E Feyerabend conclui: «Não há a mínima necessidade de pagarmos um preço por esta liberdade e trocarmos uma escravidão (puritanismo positivista) por outra (ciência popperiana adulterada)»
[77].
Com estas longas citações onde Feyerabend se refere a Karl Popper, não pretendemos reconstituir a polémica entre racionalismo crítico e relativismo, mas mostrar que essa polémica recorre, pelo menos da parte de Feyrabend, não só a argumentos objectivos, mas também a insultos e calúnias. Há um texto em que Feyerabend sintetiza, de modo lapidar, a sua «admiração» e a sua «gratidão» a Popper:

«É bem verdade que eu gosto de idolatrar as pessoas, gosto de poder considerá-las um modelo a seguir, admirá-las, apontá-las como exemplo – mas Popper não é da massa de que se fazem os ídolos. Agassi chama-me discípulo de Popper. Num sentido, isto é verdade, mas não noutro. É verdade que escutei as conferências de Popper, assisti ao seu seminário, uma vez por outra o visitei e falei com o seu gato. Não o fiz de livre vontade, pois era o meu orientador: trabalhar com ele foi uma condição para o Britshi Council me pagar. Não escolhera Popper para essa função, mas antes Wittgenstein e este aceitara. Mas Wittgenstein morreu e Popper era o candidato seguinte na minha lista. Aliás, não se recordará Agassi de me pedir insistentemente, de joelhos, que abdicasse da minha reservatio mentalis, para me empenhar totalmente na «filosofia» de Popper e especialmente, para encher os meus ensaios de notas de rodapé sobre Popper? Foi o que fiz – bem, sou um tipo fixe e disposto a ajudar aqueles que só se sentem vivos quando o seu nome aparece escrito – mas não totalmente: no final do ano a que Agassi se refere (1983), Popper convidou-me para seu assistente; recusei, não obstante o facto de não ter dinheiro e precisar de recorrer ora a um, ora a outro dos meus amigos mais abonados
[78].

«Qualquer coisa serve»: este é o lema do relativismo anarquista defendido por Feyerabend. De acordo com este «princípio», os ataque pessoais e subjectivos que dirige à pessoa de Karl Popper, visando destruir a sua filosofia da ciência, são legítimos, desde que consigam atingir o alvo. O relativismo permite tudo, o insulto, a calúnia, a ofensa ou até mesmo a violência e a morte, quando o objectivo é silenciar a diferença e o não-idêntico, no caso a Razão e a Ciência, como o demonstra, por exemplo, o tratamento que Feyerabend fez do processo Galileu. Aliás, uma das formas de relativismo analisado por Feyerabend foi o «relativismo prático» ou «oportunismo»
[79], do qual soube tirar proveito para arranjar um lugar em Bristol onde começou a ensinar filosofia da ciência e a ganhar dinheiro, tornando-se assim menos dependente dos seus «amigos abonados». Feyerabend é absolutamente consequente, teorica e praticamente, com a filosofia que perfilha: o relativismo. Mas o mesmo já não pode ser dito de Sir Karl Popper[80], quando este resolve atacar, mediante o recurso a «argumentos» subjectivos, alguns dos mais destacados filósofos alemães, em particular Heidegger, Jaspers, Gadamer, Adorno, Marcuse e Habermas, aproveitando a ocasião para fazer um auto-elogio descarado, incongruente com a tradição crítica da Filosofia/Ciência que pretende acertadamente defender, contra o irracionalismo do mundo contemporâneo.
Eis algumas dessas referências, que pelo estilo nos fazem lembrar as que lhe dirige Feyerabend: «Nunca escrevi (segundo creio) uma palavra sobre Marcuse. É inútil em meu entender, embrenharmo-nos nessas tiradas […]. Na realidade, Marcuse limita-se a repetir o que diz o Mourlande du Gard. […] nunca publiquei uma palavra sobre Marcuse e também […] sobre Habermas. […] tento demonstrar não a falsidade, mas a trivialidade e a irrelevância da sociologia do conhecimento de Mannheim»
[81], cuja tese fundamental, a saber –«na sociologia o saber sobre os factos e as valorações se encontram indissoluvelmente ligados»[82], é – segundo Popper – repetida por Adorno e Habermas. Estes enganaram-se quando lhe chamaram positivistas, porque, «na realidade, estou tão longe do positivismo como, (por exemplo), Gadamer»[83]. Contudo, «o que me afasta de Gadamer é um melhor entendimento do «método» das ciências da natureza, uma teoria lógica da verdade e a atitude crítica»[84]. Popper considera que toda a Polémica do Positivismo, centrada entre si e Adorno, «não passa de um subterfúgio e de banalidade perfeitamente grotesca»[85], dado que os outros intervenientes, além de não saberem quase nada, recorreram à «verbosidade» e a «palavras ocas», mostrando assim «imodéstia e arrogância intelectuais»[86]. Popper, «sem papas na língua», chama-lhes traidores e «falsos profetas»[87]. Estes traidores não merecem a atenção de Popper; por isso, nunca publicou, pelo menos antes de 1970, ou seja, antes destas críticas subjectivas e insultuosas, «uma única palavra sobre Adorno ou sobre Habermas»[88]. A crítica que Popper dirige a Ernest Bloch mostra claramente que, quando não se percebe uma teoria, se recorre à calúnia e ao insulto:

«Durante o Congresso de Filósofos de Viena (1968), fui convidado a participar em dois debates televisivos entre filósofos, e num deles encontrei-me também, para minha surpresa, com Bloch. Verificaram-se algumas divergências sem importância de maior. (Eu disse, com toda a sinceridade, que era demasiado estúpido para entender a sua forma de expressão). No final do debate, o moderador, Dr. Wolfgang Kraus, pediu-nos: «Agradecia que dissessem numa única frase o que, no vosso entender, se afigura mais necessário». Fui eu o único que respondeu sucintamente. A minha resposta foi: «Um pouco mais de humildade intelectual»»
[89].

As últimas duas citações de cada um deste filósofos mostram um facto real das suas personalidades, aliás reconhecidas por eles próprios: Feyerabend reconhece o seu oportunismo prático e Popper a sua «estupidez» quando se trata de compreender pensamentos difíceis, tais como o de Adorno ou Heidegger. Ambos recorrem a argumentos subjectivos para atacar as teorias adversárias, mas há uma diferença fundamental: Feyerabend conhece bem os textos de Popper, enquanto este não conhece as obras de Adorno, Habermas ou Bloch. Por isso, não usa um único argumento objectivo e racional para criticar e refutar a teoria crítica, reconduzindo-nos para o efeito à obra de Hans Albert
[90]. Ora, a táctica usada por Feyerabend é perfeitamente consequente com o seu pensamento, que definiu nestes termos: «Um anarquista é como um agente clandestino que joga o jogo da Razão em vista de minar a autoridade da Razão (Verdade, Honestidade, Justiça e assim por diante»[91]. Ao jogar o jogo linguístico do racionalismo crítico e dando por assente o «princípio» de que «qualquer coisa serve», Feyerabend socorre-se quer de «argumentos objectivos», usados de modo a subverter imanentemente o discurso da razão, quer de «argumentos subjectivos» que visam «desmistificar» a pessoa dos seus jogadores, neste casso Sir Karl Popper. Mas Popper quando recorre a esta táctica, subverte o princípio do racionalismo crítico, em particular o princípio da objectividade dos enunciados científicos, que Feyrabend pretende ter demolido. Na sua obra A Lógica da Investigação Científica, Popper definiu-o nestes termos: «sustento que as teorias científicas nunca são inteiramente justificáveis ou verificáveis mas que, não obstante, são susceptíveis de serem submetidas a prova. Direi consequentemente que a objectividade dos enunciados científicos reside no facto de que eles podem (ou devem poder) ser intersubjectivamente submetidos a teste»[92].
Numa obra de divulgação, Popper esclarece em termos mais simples o que entende por crítica objectiva e crítica subjectiva:

«A atitude crítica é essencial na ciência. Assim, primeiro criamos as teorias e depois criticamo-las […]. O que não devemos aceitar é que a crílica seja frequentemente personalizada. Também isso é muito humano. Quase sempre as críticas às teorias são mais ou menos críticas pessoais aos indivíduos que as propuseram. É uma fraqueza humana, contra a qual se devia lutar, embora, certamente em vão. É, todavia, muito importante, e também muito importante por razões pedagógicas, é extremamente importante para a democracia, darmos o exemplo e tentarmos fazer uma crítica tão objectiva quanto possível. Talvez seja um ideal inatingível, mas é em todo o caso, pelo menos, para o homem de ciência um ideal premente e importante que toda a crítica seja feita objectivamente»
[93].

Na sua «controvérsia» com Adorno, Popper viola este princípio, revelando fraqueza humana e dando um mau exemplo ao seu «discípulo» Feyerabend, que soube confrontar o «mestre» consigo mesmo. Auto-crítica e crítica objectiva são dois «ideais» que o homem de ciência deve fazer seus, mas Popper, apesar de os defender, nem sempre os realizou, mostrando imodéstia e arrogância intelectuais diante dos pensamentos que não compreende ou daqueles que, nas palavras de Feyerabend, não aderiram, incorporando-a, à «igreja popperiana»
[94]. Ao estender a sua filosofia da ciência a diversos domínios da Filosofia, nomeadamente filosofia da linguagem, filosofia social e política, moral, estética e metafísica (teoria dos 3 mundos, problema corpo/alma), Karl Popper converteu o seu pensamento num sistema filosófico fechado, apesar do seu refutabilismo. Este racionalismo crítico generalizado é, de certo modo, um sistema idealista. Como escreve Adorno: «o sistema, a forma de exposição de uma totalidade fora da qual já não há nada, absolutiza o pensamento frente a todos os seus conteúdos e volatiliza o conteúdo em pensamentos: é idealista antes de argumentar a favor [ou contra o] do idealismo»[95]. Abandonando o seu marxismo de juventude, Karl Popper privou-se do momento pessimista inerente à dialéctica materialista e acaba por ceder à tentação idealista que tudo abarca no sistema e que assim é induzida a optar pelo optimismo. Um pensamento da identidade é sempre idealista e, como tal optimista, mas este não é senão o seu elemento ideológico que o força a fazer a apologia, ainda que reservada nalguns aspectos, do que é, ou seja, da ordem estabelecida do sofrimento. A atitude crítica não resistiu à integração social, convertendo-se, quando institucionalizada num «círculo popperiano», numa tradição dogmática, incapaz de dialogar com outros pensamentos.
Sob o impulso do excelente livro de Julien Brenda, A Traição dos Intelectuais, Karl Popper escreveu que «nós, os intelectuais, somos responsáveis por praticamente todas as desgraças, na medida em que lutamos muito pouco pela integridade intelectual»
[96]. Embora não se refira ao seu caso mas apenas ao dos filósofos alemães referidos, Popper e o seu «discípulo» Feyerabend deram-nos um mau exemplo de integridade intelectual e moral, na medida em que recorreram a críticas personalizadas baixas para desmoralizar publicamente os seus «adversários». Há uma frase que Popper gosta de repetir frequentemente: ao contrário da selecção natural, «o método crítico ou racional consiste em deixar que as nossas hipóteses morram em vez de nós; é um caso de evolução exossomática»[97]. Se não vivêssemos numa democracia que, apesar de tudo, ainda honra alguns princípios liberais e individuais, mas antes numa ditadura, julgamos que os nossos «heróis» teriam ou seriam tentados a optar por métodos mais drásticos de crítica. Em vez da crítica objectiva das hipóteses ou expectativas, teriamos a eliminação dos organismos que as sustentam ou nelas acreditam. Mas, mesmo em democracia, há métodos menos violentos de silenciar quantos pensam de maneira diferente, dos quais Feyerabend destaca o económico:

«As ciências de hoje são empresas comerciais norteadas por princípios comerciais. A investigação em grandes institutos não se guia pela Verdade e pela Razão mas pela moda mais recompensante, e os grandes cérebros de hoje cada vez mais se viram para onde está o dinheiro – o que significa os assuntos militares. Não é a «Verdade» que se ensina nas nossas universidades, mas a opinião de escolas influentes»
[98].

Feyerabend, enquanto discípulo de Popper, fez inúmeras notas de rodapé onde o menciona, tão só para agradar e ganhar dinheiro. Também o biólogo molecular James D. Watson, Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia em 1963, juntamente com Crick e Wilkins, confessa que as motivações que o animaram durante a pesquisa da estrutura química do ADN foram o dinheiro, a fama e a expectativa de vir a receber o Nobel. Thomas S. Kuhn mas sobretudo Feyerabend mencionam estas motivações irracionais para minar a fé na razão, mas o que elas mostram é que vivemos numa sociedade repressiva, dominada pela economia de mercado e pela ganância do lucro. Enormes verbas de dinheiro são canalizas para áreas de investigação que prometem lucros fáceis e garantidos, além de permitirem técnicas cada vez mais subtis de condicionamento psico-social. É a irracionalidade da sociedade tecnológica na sua totalidade que está em questão e não, como pretendem Rorty ou Feyerabend, a Verdade, a Razão ou a Objectividade. Numa sociedade onde os seus maiores cérebros são movidos, não pela Verdade ou pela Razão, mas pelo egoísmo e interesses monetários, o optimismo significa necessariamente cumplicidade com a miséria existente. Um mundo que consente a corrupção, a calúnia, a violência, a manipulação, o lucro e o sucesso a qualquer preço, a hipocrisia, o egoísmo, o dogmatismo, a mentira, enfim o oportunismo – e tudo isto em massa – não pode ser, como pretende Popper, o melhor dos mundos que houve até agora, mesmo em termos relativos. Popper viveu feliz num mundo miserável, porque teve sucesso, fama e dinheiro. O seu optimismo é egoísta. Tanto o optimismo popperiano como os relativismos de Rorty e de Feyerabend esquecem o sofrimento e a dor dos outros. Ambos são reificação.


26. ABANDONO DA RAZÃO. Na sociedade da comunicação generalizada, a Razão já não tem razão para dizer nada e muito menos para criticar o mundo. A liquidação da razão objectiva saldou-se na fragmentação da racionalidade universal, cujo controle era disputado nos séculos XVI e XVII pela metafísica e pela religião, em racionalidade regionais, cada uma delas com os seus próprios critérios de validez. Doravante, não se aceita mais uma instância superior capaz de gerir a racionalidade universal comum a todas as esferas da cultura e do saber. Cada esfera tem a sua própria racionalidade e é a ela que cabe geri-la em função de critérios que lhe são inerentes. É certo que a ciência, pelo menos na sua versão positivista e cientificista, procurou assumir o papel desempenhado pela metafísica e pela religião na «gestão» da racionalidade universal, mas a pós-modernidade encarregou-se de relativizar a sua racionalidade, dando-lhe o mesmo destino que já tinham tido a religião e a filosofia. Cada uma delas terá de se contentar com a «gestão» da sua própria racionalidade – e isto se efectivamente conseguirem sobreviver à competição que ocorre no «mercado do sentido», comandado pela economia de mercado generalizada e pelos mass media. A irracionalidade do relativismo ameaça a racionalidade de qualquer uma dessas esferas da cultura e do saber.
A neutralidade de todo o conteúdo objectivo da razão, que deu lugar à explosão de uma multiplicidade de concepções do mundo, cada uma delas «soberana» em relação à verdade universal, constitui uma das vitórias do relativismo sobre as filosofias da razão objectiva. A liquidação do conceito objectivo de verdade e de razão leva necessariamente ao pluralismo, que Peter Berger e H. Kellner definem como «uma situação em que as comunidades com diferentes sistemas de significado conseguem coexistir em paz civil»
[99]. Observam correctamente que «o pluralismo mantém uma estreita relação com o relativismo, já que a própria pluralidade de sistemas de significado debilita a estrutura de plausibilidade de cada um deles»[100]. Assim, como escreve Peter Berger noutra obra, «nas sociedades modernas é cada vez maior o número de sentidos [ou de cosmovisões] importantes que são oferecidos ao indivíduo numa espécie de «mercado de sentido» em que ele se move como um consumidor, ao qual se lhe oferece uma ampla variedade de opções (como, por exemplo, a opção entre diferentes valores familiares, estilos de vida, ou inclusivé preferências sexuais»[101]. Vattimo, ao contrário de Berger, congratula-se com o advento da sociedade da comunicação generalizada:

«Se com a multiplicação das imagens do mundo perdemos o «sentido da realidade», como se diz, talvez não seja, afinal, grande perda. Pela sua perversa lógica interna, o mundo dos objectos mesuráveis e manipuláveis da ciência-técnica (o mundo real, segundo a metafísica), tornou-se um mundo de mercadorias, de imagens, o fantasmagórico mundo dos mass media»
[102].

Não devemos, segundo Vattimo, contrapor ao mundo do fetichismo da mercadoria generalizado «a nostalgia de uma realidade sólida, unitária, estável e «com legitimidade»», porque «tal nostalgia corre o risco de se transformar continuamente num comportamento neurótico, num esforço de reconstrução do mundo da nossa infância, no qual as autoridades familiares eram, ao mesmo tempo, ameaçadoras e reconfor-tantes»
[103]. Deste modo, Vattimo convida-nos a aceitar resignada e alegremente o mundo de mercadorias, sem se aperceber que o homem não está adaptado filogeneticamente para viver num mundo menos unitário, menos certo e menos securizante. O comportamento neurótico desenvolve-se como resposta ao mundo de mercadorias, e não, como pretende Vattimo, ao mundo unitário e estável. Não é por acaso que Karen Horney falou da personalidade neurótica do nosso tempo[104] e que os sujeitos pós-modernos recorram, mais do que nunca, à ajuda ou consulta psiquiátrica e ao consumo massivo de benzodiazepinas e de outras drogas muito piores. Apesar da sua anuência em relação ao relativismo sociológico – posição que o demarca, por exemplo, de Ernest Gellner[105], P. Berger sabe que «negar a um indivíduo ou a um grupo a possibilidade de conhecer os sentidos mediante os quais está organizada a vida, significa negar-lhe, literalmente, a própria possibilidade de viver»[106]. O mundo de sentido é assim um refúgio contra a anomia e a neurose do mundo da comunicação generalizada. Contudo, P. Berger enganou-se quando, na peugada de Arnold Gehlen[107], exagera o processo de subjectivação da cultura ocidental contemporânea, mediante a qual o que outrora era considerado como realidade objectiva passou agora a ser entendido como o resultado de escolhas subjectivas. Afirmar, como faz Berger, que «a esfera privada está baseada na escolha, mais do que na aceitação do já dado»[108] é o mesmo que supor que o sujeito pós-moderno ainda é um indivíduo autónomo e livre. Numa sociedade sem liberdade ninguém é suficientemente livre para fazer uma escolha livre e responsável. Além disso, o pluralismo relativista da sociedade da comunicação generalizada é mais aparente do que real: o indivíduo não é livre para escolher o que acha melhor para si e para os outros, mas é condicionado, em particular através da publicidade, a escolher o que já tinha sido escolhido para ele.


27. RELATIVISMO. O relativismo pluralista mais não é do que a fragmentação da racionalidade universal em racionalidades ou irracionalidades regionais que abdicam e liquidam automaticamente o «controle legislativo» da Verdade Universal. Como resultado da transferência da divisão social do trabalho para o domínio da cultura, o pluralismo relativista tolera tudo, menos a possibilidade de uma teoria unitária da racionalidade. A ciência e a epistemologia são assim alvo da sua intolerância radical e agressiva. Antes da sua consumação total no mundo pós-moderno, a ciência procurou «impor» a sua racionalidade crítica a todas as esferas da cultura e da vida social e a filosofia enquanto epistemologia procurou legitimar esta racionalidade científica universal. De certo modo, a pós-modernidade pode ser vista como a crítica radical desta pretensão racionalista da ciência e do fracasso das esperanças sociais que foram depositadas nela. Com efeito, a pós-modernidade não só relativiza a racionalidade da ciência, como também consuma completamente o pluralismo relativista, secularizando a própria filosofia
[109] que, deste modo, é obrigada a abandonar o seu trabalho de fundação para se converter em hermenêutica.
Paul Feyerabend é o maior protagonista do relativismo pós-moderno. A distinção que estabelece entre tradições teóricas e tradições históricas visa não só mostrar que «existem muitas maneiras de viver e de criar conhecimentos»
[110], como também apresentar a ciência como uma tradição entre muitas, afirmando não existirem «razões «objectivas» para preferir a ciência e o racionalismo ocidental a outras tradições»[111]. Depois de ter relativizado a ciência, não se esquece de relativizar a própria filosofia.

«Uma teoria da ciência que define modelos e elementos estruturais para todas as actividades científicas e os legitima por referência à «Razão» ou às «Racionalidades» é susceptível de impressionar os leigos – mas afigura-se um instrumento excessivamente grosseiro aos que estão por dentro das coisas, ou seja, para os cientistas que se confrontam com um problema de investigação concreto»
[112].

Como «forma secularizada da crença no poder da palavra de Deus»
[113], o racionalismo não só impede o crescimento e a «democratização da ciência»[114], mas também serve de «arma de extermínio cultural»[115]. A defesa que Feyerabend faz do relativismo compromete, de certo modo, a crítica que Gellner lhe dirige[116], tomando o texto de Paul Rabinow[117] como ponto de referência, já que ele reconhece inequivocamente que a razão da ciência ocidental reinar hoje em termos soberanos sobre todo o globo «não está na compreensão da sua «racionalidade imanente» mas nos jogos de poder (as nações colonizadoras impuseram os seus próprios modos de vida às outras) e nas necessidades de armamento: a ciência ocidental tem criado até hoje os mais eficazes instrumentos de morte»[118]. Ao defender o relativismo contra o racionalismo, Feyerabend «quis defender as pessoas, e não fazer «avançar o conhecimento»»[119] e, ao mesmo tempo, proteger a ciência das ideologias. Sinal desta sua boa vontade é o piscar de olhos aos católicos e aos teólogos que se manifesta na defesa das posições de Bellarmino contra as de Galileu: «A Igreja estava no bom caminho»[120]. Mas Max Horkheimer antecipou-se ao oportunismo de Feyerabend, mostrando que a liquidação dos sistemas metafísicos da razão objectiva é mais catastrófica do que benéfica para a religião. «Aparentemente a religião tirou proveito dessa evolução dos factos. A formalização da razão colocou-a a salvo de qualquer ataque sério da parte dos metafísicos ou da teoria filosófica e esta segurança parece tê-la tornado um instrumento social extremamente prático»[121]. Contudo, «a morte da razão especulativa, a princípio serva da religião e depois a sua antagonista, pode revelar-se catastrófica para a própria religião»[122]. Como consumação da formalização da razão, o relativismo neutraliza a religião, reduzindo-a ao status de um bem cultural entre vários outros que se apresentam no mercado do sentido. Esta redução nega a exigência total da religião de incorporar a verdade objectiva. A religião é assim eliminada como agente da objectividade espiritual. Ao dizer adeus à Razão, à Objectividade e à Verdade, Feyerabend, tal como Rorty ou Vattimo, abole o conceito de objectividade modelado segundo o absoluto da revelação religiosa. A teologia séria, com excepção das pseudo-teologias de Cox, não se deixa seduzir facilmente pelas boas intenções de Feyerabend. A teologia é visceralmente anti-relativista e, como tal, não consente ser usada como arma ideológica contra a ciência.
Vattimo apresenta a teoria dos paradigmas de Thomas Kuhn, pelo menos na sua formulação original, como expressão do relativismo cultural, segundo o qual «não existe qualquer ideia de uma racionalidade unívoca à luz da qual se possam considerar «míticas» certas formas de saber»
[123]. No Posdata, datado de 1969, Kuhn defendeu-se do relativismo, afirmando-se como um «crente convencido» do «sentido do progresso científico»[124], mas nem Vattimo nem Feyerabend ou Rorty parecem ter lido este texto. Quem defende o relativismo não é Kuhn mas Feyerabend e Rorty. Apesar de afirmar ser mais um historiador do que um filósofo da ciência, Kuhn nunca pretendeu desconstruir a filosofia da ciência de modo a substituí-la por algum tipo de relativismo irracionalista. Esta tarefa coube a Rorty[125]. Ao desmontar o discurso epistemológico, liquidou a pretensão da filosofia de ser a guardiã da racionalidade universal, reduzindo-a, tal como Vattimo, a uma hermenêutica fraca mas universalizante. Em vez de gerir a racionalidade universal no quadro de um discurso sistemático, a hermenêutica limita-se apenas à conversação com as outras esferas da cultura e da sociedade, produzindo um discurso edificante que privilegia a crítica literária, com a qual, de resto, pretende identificar-se.
Deste modo, as filosofias pós-modernas liquidam completamente a razão objectiva e os seus sistemas metafísicos, substituindo-os pela razão subjectiva e o seu aliado natural – o relativismo. A destruição de uma teoria da racionalidade universal, para a qual Habermas pretende contribuir com a sua teoria do agir comunicacional, representa assim a maior vitória da razão subjectiva sobre a razão objectiva. Esta vitória mais não é do que o triunfo da irracionalidade da sociedade e da cultura de massas contemporâneas. Até mesmo o positivismo e a filosofia analítica, produtos da razão subjectiva, foram destruídos por serem formas de legitimação da ciência ocidental. Desde que escapou ao controle da racionalidade universal, a besta corre livremente, sem prestar conta dos seus movimentos e dos seus crimes. O triunfo da razão instrumental é, no fundo, o triunfo da irracionalidade. Num mundo em que todos são soberanos, ninguém é soberano, excepto a economia de mercado generalizada e os mass media.


28. NEGAÇÃO DO RELATIVISMO. O relativismo não se suporta a si mesmo. A crítica do relativismo é uma das maiores prioridades da teoria crítica. Relativizar o relativismo é um modelo de crítica interessante, mas não é suficientemente radical para o destruir, pois permanece prisioneiro da problemática que pretende negar. O relativismo é um pensar vagabundo que, ao legitimar tudo, excepto o racionalismo, legitima a sua própria liquidação, mas a fibra deste pensamento é de tal modo flexível e anarquista que ele sabe movimentar-se na sua própria auto-liquidação. A fraqueza do relativismo é proporcional à resistência que opõe ao pensar não-relativista. Esta resistência é mais de natureza social e repressiva do que ideológica ou teórica. Ao fazer «o jogo da Razão em vista de minar a autoridade da Razão»
[126], o relativista enfraquece a sua própria posição. Criticar o racionalismo com as suas próprias armas racionais é permanecer no seio do racionalismo, embora numa posição mais fraca do que a dos verdadeiros racionalistas. O relativismo que se afirma como tal por oposição ao racionalismo anula-se a si próprio nesse acto de se dizer e escrever. Ao pensar como pensa, a melhor atitude do ironista liberal ou do relativista seria o silêncio total. O único discurso verdadeiramente coerente e consequente numa perspectiva relativista é o silêncio. O silêncio diante da crueldade existente representa efectivamente o fracasso do pensamento racional que visa a abolição da reificação.
Ao reclamar para si próprio a exclusividade, o relativismo mostra que não suporta a diferença que diz defender. Relativizar é homogeneizar e homogeneizar é tornar as «coisas», ou melhor, os universos de sentido convertíveis uns nos outros. O universo homogéneo e uniforme do relativismo esvazia as diversas concepções do mundo do seu conteúdo objectivo, tornando-as assim formalmente equivalentes. Ao submeter as cosmovisões ao princípio de troca, o relativismo revela o triunfo da economia de mercado generalizada sobre o pensamento sério e irreconciliável. O relativismo é um pensar tecno-económico, cujos interesses são os de grandes empresas capitalistas. Esta submissão do pensamento aos interesses económicos do capitalismo tardio faz do relativismo uma «ideologia de mercado»
[127] de cariz totalitário. O relativismo leva ao totalitarismo, na medida em que esmaga a diversidade autêntica em nome de uma multiplicidade de narrativas ou dialectos equivalentes entre si. Embora seja mais uma narrativa entre muitas outras, o relativismo não resiste à tentação de «legislar» sobre as demais narrativas, apresentando-as como equivalentes, como se ele, depois de ter demolido o fundamento e a verdade, ainda estivesse em condições de reclamar para si um estatuto privilegiado.
O relativismo não é um pensamento autónomo; ele está inteiramente dependente dos princípios que regulam a economia de mercado na era do consumo em massas
[128]. De certo modo, o relativismo é a justificação do lucro e da mais-valia e, como tal, é a ideologia do mercado e do grande capital. O que interessa do ponto de vista da reprodução económica é multiplicar as ideias, vendê-las bem e lucrar ainda mais. Ao capitular diante da economia de mercado generalizada, o relativismo anula-se como pensamento sério e mostra, deste modo, a sua verdadeira face – uma apologia do que é, ou seja, da miséria existente. A crítica social do relativismo apresenta-o como um mercado de sentido onde se vendem ideias equivalentes ao preço de não se tolerar a diferença e o não-idêntico. A diversidade defendida pelo relativismo é falsa: o relativismo é monolítico na sua pseudo-diversidade. A neutralização do conteúdo objectivo das diversas ideias converteu-as em formas puras susceptíveis de serem usadas em função dos interesses da identificação total. As pessoas são manipuladas e condicionadas para aceitar o que lhes é oferecido pelo mercado dos bens culturais. Os bons consumidores consomem sempre o que os burocratas da economia desencantada querem que consumam. O relativismo é, na sua própria essência, consumismo. Dado que aniquila a diferença a favor da equivalência, o relativismo revela-se como uma filosofia unidimensional que não tolera a oposição e a diferença. As ideias são esvaziadas do seu conteúdo de objectividade e de verdade e, através deste processo de formalização, são finalmente reduzidas a instrumentos equivalentes entre si. A escolha de uma delas em detrimento das outras não é ditada por factores racionais, mas sim pela publicidade, propaganda e moda. A moda mais actual não é escolher o budismo em detrimento do cristianismo ou o liberalismo em detrimento do marxismo. A equivalência entre estes jogos de linguagem já não exige escolhas exclusivas. Conforme nos diz Paul Valadier, o sujeito pós-moderno prepara o seu próprio «cocktail religioso: umas gotas de islamismo, um pouco de judaísmo, algumas migalhas de cristianismo, um dose de nirvana; todas as combinações são possíveis, acrescentando, para ser mais ecuménico, um bocadinho de marxismo ou um paganismo quanto baste»[129]. O resultado de qualquer uma destas combinações possíveis é sempre o mesmo: os indivíduos são lançados num mercado de significados onde, em vez de se comprar ideias verdadeiras e redentoras, compram conformismo, apatia e desespero.


29. PLURALISMO SEM HORIZONTE. O domínio de uma concepção do mundo pode facilitar e legitimar o advento do totalitarismo, como o demonstra facilmente a história da humanidade ocidental, mas o pluralismo, no contexto de uma economia de mercado generalizada, ameaça seriamente a felicidade das pessoas, lançando-as numa encruzilhada de caminhos que não levam a parte nenhuma, a não ser a novas experiências associadas geralmente ao risco, que, mesmo que tornem o «orgasmo mais intenso» (sic), produzem um novo tipo de monotonia e de rotina, associada ao desenvolvimento da síndrome de desertificação afectiva. Convertidos em toxicodependentes do sexo por uma sociedade avessa à felicidade e ao amor, os sujeitos pós-modernos são cada vez mais escravizados pelo consumismo nas suas diversas formas. Os vagabundos sexuais, apesar da sua elevada rodagem e contabilidade, permanecem sempre solitários e infelizes, revelando uma incapacidade extraordinária e preocupante para conhecer e viver o amor. A sua presença constitui uma ameaça séria e real à vida dos que procuram saudavelmente a felicidade a dois. Ameaçam, portanto, a esfera mais íntima do Lebenswelt: a esfera do amor a dois da qual depende primariamente o reencantamento do mundo.


30. SOCIEDADE METABÓLICA. A sociedade de consumo é uma sociedade altamente integrada. A reconciliação cultural neutraliza as potencialidades subversivas das obras de arte, integrando-as na esfera económica da sociedade, onde elas coexistem pacificamente com outras «verdades» na indiferença. Este pluralismo harmonizador dissolve e anula o não-idêntico, isto é, a diferença, na identidade, submetendo tudo a uma única e mesma ordem: a lógica do mercado, do lucro e do consumo, a lógica do feiticismo da mercadoria generalizado. A economia de mercado generalizada, ao promover e incentivar o consumismo, extendeu-o ao consumo de objectos naturais, de pessoas e de ideias. Lyotard que definiu a pós-modernidade como a época do fim das «metanarrativas»
[130], retomando assim o velho tema do fim das ideologias[131], deixou escapar a característica fundamental da sociedade de consumo: a dissolução das ideologias no seio da economia de mercado. As ideologias deixam de ser fenómenos superestruturais e passam a ser fenómenos infra-estruturais ou económicos. Marcuse já nos tinha advertido que «esta absorção da ideologia pela realidade não significa, contudo, o «fim da ideologia». Pelo contrário, em sentido específico, a cultura industrial desenvolvida é mais ideológica do que a sua predecessora, visto que, actualmente, a ideologia está no próprio processo de produção»[132]. As consequências desta integração ideológica revelam a natureza totalitária da economia de mercado generalizada e da sua racionalidade tecnológica.

«O aparelho produtivo e as mercadorias e serviços que ele produz – continua Marcuse – «vendem» ou impõem o sistema social como um todo. Os meios de transporte e comunicação em massa, as mercadorias, casa, alimento e roupa, a produção irresistível da indústria de diversões e informação trazem consigo atitudes e hábitos prescritos, certas reacções intelectuais e emocionais que prendem os consumidores mais ou menos agradavelmente aos produtores e, através destes, ao todo. Os produtos doutrinam e manipulam; promovem uma falsa consciência que é imune à sua falsidade. E, ao ficarem esses produtos benéficos à disposição de maior número de indivíduos e de classes sociais, a doutrinação que eles portam deixa de ser publicidade; torna-se um estilo de vida. É um bom estilo de vida – muito melhor do que antes – e, como um bom estilo de vida, milita contra a transformação qualitativa. Surge assim um padrão de pensamento e comportamento unidimensionais no qual as ideias, as aspirações e os objectos que pelo seu conteúdo transcendem o universo estabelecido da palavra e da acção são repelidos ou reduzidos a termos desse universo. São redefinidos pela racionalidade do sistema dado e da sua extensão quantitativa»
[133].

Assim, o capitalismo tardio converteu a sociedade na sua globalidade numa economia de mercado generalizada: quer dizer que, na sociedade de consumo, todas as esferas sociais, culturais e ideológicas são reduzidas à esfera económica. A economia de mercado generalizada transforma tudo e todos em bens-de-troca, os bens-de-troca em bens-de-consumo e os bens-de-consumo em instrumentos que garantem, de antemão, a reprodução e a perpetuação do sistema estabelecido. A reificação completou-se e totalizou-se. Os relativismos contemporâneos legitimam a reificação total e, no seu conjunto, constituem aquilo a que Paul Ricoeur chamou «ideologia de mercado»
[134], a qual, de acordo com as palavras de Vattimo, nunca «poderá servir […] de base para uma transformação prática da «realidade»»[135]. A pós-modernidade é pensamento integrado que abdica da luta pelo fim da crueldade e do sofrimento existentes.


31. CRÍTICA DA ECONOMIA. Um pensamento que se leva demasiado a sério é falso. Pensar que a filosofia e a ciência em si mesmas desencantaram o mundo é dar-lhes uma importância que elas nunca tiveram na vida das pessoas comuns. Ao converter tudo num negócio e sobretudo ao facilitar o acesso ao consumo em massa, o capitalismo e as suas ideologias desencantaram o mundo. A crítica da ciência, bem como o retorno sem volta da filosofia a si mesma, corre o risco de se alienar da sociedade. Se esta é a intenção subjacente a todo o relativismo, não constitui o destino que a teoria crítica deseja para si mesma. A teoria crítica deve regressar à crítica da economia política generalizada e da sua racionalidade funcional que invade todas as esferas da sociedade e do mundo da vida, esvaziando-as do seu conteúdo transcendente.


32. A AUSÊNCIA DO ESPÍRITO. O consumismo generalizado converteu-se num novo estilo de vida, o qual deve ser designado pelo seu verdadeiro nome – promiscuidade sexual. A consciência feliz que resulta deste processo só é feliz à custa da inconsciência da sua infelicidade essencial. É esta infelicidade não reconhecida como tal pela consciência feliz que pode ser e é efectivamente manipulada de diversos modos pelos poderes tecnológicos e sociais estabelecidos. Como escreveram Adorno e Horkheimer: «a técnica converte-se em psicotécnica, em procedimento de manipulação de massas»
[136]. Isto não se aplica somente à publicidade, aos mass media e às indústrias culturais; também representa uma crítica válida da psiquiatria e da psicologia, que, em vez de promoverem a mudança social qualitativa, fomentam a adaptação social e o conformismo que fazem do «doente» um cidadão apático e aparentemente feliz. A consciência feliz pós-moderna é uma consciência neurótica, cuja «neurose» reside numa adaptação social e emocional quase perfeita. Deste modo, inverte-se o critério que os psiquiatras institucionais têm usado para definir os outsiders como doentes mentais[137]. Doentes mentais não são os que lutam e/ou resistem contra a integração e a adaptação sociais, mas os que estão adaptados a uma sociedade que cria constantemente violência, sofrimento e terror. Ao silenciar o sofrimento, a pós-modernidade mostra-se como aquilo que é – uma neurose social.


33. PROMISCUIDADE. Os relativismos contemporâneos que grassam pela sociedade de consumo transpõem a promiscuidade do plano sexual para o plano ideológico e noológico. A promiscuidade assim generalizada e legitimada é mais ilusória do que o projecto da modernidade que pretende denunciar. Além de constituir a ilusão de um amor universal que não existe, a promiscuidade constitui o maior sintoma da solidão e do deserto afectivo que dominam a vida do sujeito pós-moderno. A sociedade pós-moderna, tal como a sociedade dobuana, é um imenso deserto afectivo, no qual todos procuram aquilo que não sabem dar e receber: o amor verdadeiro.


34. O ASILO. O mundo actual é um manicómio: cada doido projecta a sua loucura nos outros, embora todos eles partilhem a mesma loucura, que deixa cada um deles abandonado a si próprio, isto é, à loucura da pós-modernidade.


35. FALSA FILOSOFIA. A distinção feita no seio da filosofia entre «ciência» e «concepção do mundo» visa converter a filosofia a uma forma subjectiva e privada de conhecimento. Assim, cada filosofia é a concepção do mundo, o jogo linguístico, o dialecto ou a narrativa de um determinado filósofo ou de uma determinada época; a sua «verdade» é subjectiva ou uma questão social e, nesta condição, não nos diz nada acerca do mundo objectivo, de resto uma ilusão de determinadas filosofias e teologias. Nos seus bons momentos, a filosofia mostra a falsidade desta concepção relativista, na medida em que sempre conjugou o conhecimento racional e crítico com um ideal de sabedoria – a vida justa. Como esse ideal ainda não é a realidade, a filosofia é mais do que nunca necessária como crítica do que é. Actualmente, a filosofia ou é teoria crítica ou não é nada.


36. CONHECIMENTO E VIDA JUSTA. O conhecimento racional é não só procura da verdade, mas também procura da felicidade. A teoria crítica faz justiça a esse ideal de sabedoria que anima toda a filosofia verdadeira.


37. VERDADE. Verdade sem felicidade não é verdade.


38. MATERIALIZAÇÃO DE CRISTO. A paixão e morte de Jesus Cristo simboliza o sofrimento que visa a sua própria abolição.


39. ABISMO. Instalada no abismo, a teoria crítica, ou melhor, a teologia é, conforme as palavras conhecidas de Horkheimer, «a expressão de uma ânsia, de um nostalgia de que o assassino não pode triunfar sobre a vítima inocente»
[138]. Se o relativismo tivesse razão, o sofrimento não teria sentido e a vida não mereceria ser vivida. A teimosia de continuar a viver na «esperança de que a injustiça que caracteriza o mundo […] não pode considerar-se como a última palavra»[139] é a refutação mais radical do relativismo. No seu sentido enfático, razão é redenção.



BIBLIOGRAFIA

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[1] Cf. RORTY, Richard – Contingência, Ironia e Solidariedade. Lisboa: Presença, 1994.
[2] Cf. TURBAYNE, Colin M. – El Mito de la Metáfora. México: Fondo de Cultura Económica, 1974.
[3] Cf. FEYERABEND, Paul – Adeus à Razão. Lisboa: Edições 70, 1991; ID. – Contra o Método, Lisboa: Relógio D’Água, 1993.
[4] IDEM – Contra o Método. p.177.
[5] IDEM – Adeus à Razão. p.303.
[6] RORTY – Contingência, Ironia e Solidariedade. p.17.
[7] Cf. MEAD, George H. – Espíritu, Persona y Sociedad. Buenos Aires: Paidós, 1972.
[8] Cf. RORTY – Contingência, Ironia e Solidariedade. p. 44-45.
[9] HORKHEIMER, Max – Teoria Crítica. Barcelona: Barral Editores, 1973, p.158.
[10] WITTGENSTEIN, Ludwig – Tratado Logico-Filosófico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, p.141-142.
[11] Ibidem. p.142.
[12] Ibidem. p.141.
[13] ADORNO, Theodor W. – Terminología Filosófica II. Madrid: Taurus, 1985, p.43.
[14] WITTGENSTEIN, Ludwig – Tratado Logico-Filosófico. p.62.
[15] ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max – Dialéctica do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985 p.10.
[16] RORTY – Contingência, Ironia e Solidariedade. p.127.
[17] Ibidem. p.128.
[18] HUSSERL, Edmund – La Crisis de las Ciencias Europeas y la Fenomenología Transcendental. Barcelona: Editorial Crítica, 1991.
[19] RORTY – Contingência, Ironia e Solidariedade. p.129.
[20] Ibidem. p.130.
[21] Ibidem.
[22] Ibiem.. p.131.
[23] LÉVI-STRAUSS, Claude – Tristes Trópicos. Lisboa: Edições 70, 1979, p.53.
[24] ADORNO – Terminología Filosófica I. Madrid: Taurus, 1983, p.43.
[25] HORKHEIMER, Max – Eclipse da Razão. Rio de Janeiro: Labor, 1976, p.172.
[26] ADORNO – Dialectica Negativa. Madrid: Taurus, 1975, p.362-363.
[27] Cf. HABERMAS, Jürgen – Théorie de l’Agir Communiationnel. 2 vols., Paris: Fayard, 1987.
[28] GEERTZ, Clifford – A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989, p.20.
[29] Cf. CLIFFORD, James; MARCUS, George E. eds. – Retóricas de la Antropología. Madrid: Ediciones Júcar, 1991.
[30] VATTIMO, Gianni – A Sociedade Transparente. Lisboa: Edições 70, p.12
[31] LYOTARD, François – A Condição Pós-Moderna. Lisboa: Gradiva; 1989.
[32] VATTIMO, Gianni – A Sociedade Transparente. p.13.
[33] Ibidem. p.15.
[34] Ibidem.
[35] Ibidem. p.16-17.
[36] Ibidem. p.17.
[37] Ibidem. p.18.
[38] Ibidem. p.34.
[39] Ibidem. p.36.
[40] IDEM – Más Allá del Sujeto. Barcelona: Páidos, 1989.
[41] IDEM – A Sociedade Transparente. p.52.
[42] Cf. NIETZSCHE, F. – A Gaia Ciência. Lisboa: Guimarães Editores, 1977.
[43] CHANGEUX, Jean-Pierre – O Homem Neuronal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985, p.283.
[44] BUBER, Martin – Qué es el Hombre?. Madrid: Fondo de Cultura Económica, 1986, p.150-151.
[45] Cf. RIESMAN, David – A Multidão Solitária. São Paulo: Perspectiva, 1971.
[46] Cf. WEBER, Max – Economía y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.
[47] Cf. POPPER, Karl – Conhecimento Objectivo. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1975.
[48] Cf. GOLDMANN, Lucien – A Criação Cultural na Sociedade Moderna. Lisboa: Presença, 1976.
[49] Cf. GADAMER, Hans-Georg – Verdad y Método. Salamanca: Sígueme, 1984; IDEM – Verdad y MétodoII. Salamanca: Sígueme, 1992.
[50] CF. HEGEL, G. W. F. – La Phénoménologie de l’Esprit. 2 vols., Paris: Éditions Aubier Montaigne, 1977.
[51] Cf. RORTY – Contingência, Ironia e Solidariedade. p.25.
[52] Cf. AYER, A. J. org. – El Positivismo Lógico. Madrid: Fondo de Cultura Económica, 1993.
[53] Cf. POPPER, Karl – Búsqueda sin Término: una autobiografía intelectual. Madrid: Tecnos, 1985, p.118.
[54] ADORNO, Theodor W. HORKHEIMER, Max – Dialéctica do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985 p.114.
[55] Cf. GADAMER, Hans-Georg – Verdad y Método II. p.55.
[56] Cf. POPPER, K. – A Sociedade Aberta e os seus Inimigos. 2 vols., Lisboa: Fragmentos, 1993.
[57] POPPER; LORENZ, Konrad – O Futuro está Aberto. Lisboa: Fragmentos, 1990 p.89.
[58] Cf. MANNHEIM, Karl – Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
[59] Cf. POPPER, K. – A Sociedade Aberta. 1993.
[60] Cf. FORTUNE, R. F. – Os Feiticeiros de Dobu. Amadora: Bertrand, 1977.
[61] Cf. Ecl. 6, 5-17.
[62] Cf. KIERKEGAARD – O Desespero Humano. Porto: Livraria Tavares Martins, 1979.
[63] Cf. BACON, Francis – Ensaios. Lisboa: Guimarães Editores, 1972 p.67-69.
[64] Cf. FROMM, Erich – Psicanálise da Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
[65] ADORNO, Theodor W. HORKHEIMER, Max – Dialéctica do Esclarecimento. p.145.
[66] MARCUSE – Razão e Revolução. 1978, p.38.
[67] HORKHEIMER – Teoria Crítica I. São Paulo: Perspectiva, 1990, p.4.
[68] Ibidem. p.74.
[69] IDEM – Teoria Crítica. Barcelona: Barral, 1973, p.223.
[70] IDEM – Teoria Crítica I. p.43.
[71] ADORNO – Minima Moralia. Madrid: Taurus, 1987, p.9.
[72] HABERMAS – Connaissance et Intérêt. Paris: Gallimard, 1979.
[73] LEIBNIZ, G. W. – Essais de Théodicée. Paris: Garnier-Flammarion, 1969.
[74] FEYERABEND, Paul – Contra o Método. Lisboa: Relógio D’Água, 1993, p.7; 353-355.
[75] IDEM – Adeus à Razão. Lisboa: Edições 70, 1991, p.210.
[76] Ibidem. p.218; 220; 224.
[77] Ibidem. p.225.
[78] Ibidem. p.362–363.
[79] Cf. Ibidem. p.30–52.
[80] Cf. POPPER – Em Busca de um Mundo Melhor. Lisboa: Fragmentos, 1989.
[81] Ibidem. p.90-92.
[82] Ibidem. p.92.
[83] Ibidem. p.93.
[84] Ibidem. p.94.
[85] Ibidem. p.95.
[86] Ibidem.
[87] Ibidem.
[88] Ibidem.
[89] Ibidem. p.88.
[90] Cf. ALBERT, Hans – Traktat über Kritische Vernunft. Tübingen: Mohr, 1968.
[91] FEYERABEND – Contra o Método. p.39.
[92] POPPER – La Lógica de la Investigación Científica. Madrid: Tecnos, 1977, p.43.
[93] POPPER; LORENZ, Konrad – O Futuro está Aberto. p.48.
[94] FEYERABEND – Adeus à Razão. p.363.
[95] ADORNO – Dialéctica Negativa. p.32.
[96] POPPER – Em Busca de um Mundo Melhor. p.94.
[97] IDEM – Conhecimento Objectivo. p.227.
[98] FEYERABEND – Adeus à Razão. p.124.
[99] BERGER, Peter; KELLNER, H. – La Reinterpretación de la Sociología. Madrid: Editorial Espasa-Calpe, 1985, p.116.
[100] Ibidem.
[101] IDEM – Pirámides de Sacrificio. Santander: Sal Terrae, 1979, p.195.
[102] VATTIMO – A Sociedade Transparente. p.16.
[103] Ibidem.
[104] Cf. HORNEY, Karen – A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo. Lisboa: Vega, 1979.
[105] Cf. GELLNER, Ernest – Pós-Modernismo, Razão e Religião. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
[106] BERGER – Pirámides de Sacrificio. p.194.
[107] Cf. GEHLEN, Arnold – A Alma na Era da Técnica. Lisboa: Livros do Brasil, s. d..
[108] BERGER – Pirámides de Sacrificio. p.202-203.
[109] Cf. VATTIMO – «A Secularização da Filosofia» in Revista de Comunicação e Linguagens : Moderno/Pós-Moderno. Lisboa (1985) p.17-23.
[110] FEYERABEND – Adeus à Razão. p.93.
[111] Ibidem. p.346.
[112] IDEM – Contra o Método. p.11.
[113] Ibidem. p.296.
[114] Ibidem. p.13.
[115] Ibidem. p.15.
[116] Cf. GELLNER, Ernest – Pós-Modernismo, Razão e Religião.
[117] Cf. RABINOW, Paul – «Las Representaciones son Hechos Sociales: Modernidad y Postmodernidad en la Antropología» in CLIFFORD, James; MARCUS, George eds. – Retóricas de la Antropología. Madrid: Ediciones Júcar, 1991.
[118] FEYERABEND – Contra o Método. p.14.
[119] Ibidem.
[120] Ibidem. p.175.
[121] HORKHEIMER – Eclipse da Razão. p.26.
[122] Ibidem.
[123] VATTIMO – A Sociedade Transparente. p.43.
[124] KUHN, T. – La Estructura de las Revoluciones Científicas, Madrid: Fondo de Cultura Económica, 1981, p.313.
[125] Cf. RORTY – A Filosofia e o Espelho da Natureza. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1988.
[126] FEYERABEND – Contra o Método. p.39.
[127] RICOEUR, Paul – Ideologia e Utopia. Lisboa: Edições 70., 1991.
[128] Cf. ROSTOW – Etapas do Desenvolvimento Económico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
[129] VALADIER, Paul – La Iglesia en Proceso, Santander: Sal Terrae, 1990, p.72.
[130] Cf. LYOTARD, Jean-François – O Pós-Moderno Explicado às Crianças, Lisboa: Pub. Dom Quixote, 1987.
[131] Cf. LIEPSET, Seymour Martin – Consenso e Conflito. Lisboa: Gradiva, 1992.
[132] MARCUSE – El Hombre Unidimensional. Barcelona: Seix Barral, 1972, p.41.
[133] Ibidem. p.41-42.
[134] RICOEUR, Paul – Ideologia e Utopia. p.391.
[135] VATTIMO, Gianni – O Fim da Modernidade. Lisboa: Presença, 1987, p. 140.
[136] ADORNO; HORKHEIMER – Dialéctica do Esclarecimento. p.153.
[137] Cf. SZASZ, Thomas S. – A Fabricação da Loucura. Rio de Janeiro: Guanabarra, 1984.
[138] HORKHEIMER, Max – A la Búsqueda del Sentido. Salamanca: Sígueme, 1989, p.106.
[139] Ibidem.
(Esta trabalho sofreu profundas e substanciais alterações e foi publicado com o título «Razão e Sofrimento: Contra os relativismos contemporâneos», em Humanística e Teologia, 1996, 17, 47-102. As luso-mediocridades retomaram estes meus temas para organizar um congresso com nome idêntico.)
J FRANCISCO SARAIVA DE SOUSA

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